Há cinco meses, a pandemia do novo coronavírus impôs uma realidade inesperada para quem depende de transporte público. Devido à aglomeração de pessoas, o meio coletivo de locomoção é considerado um ambiente de alto risco de contágio pela covid-19. Em meio à emergência sanitária, o setor entrou em crise, ao perder cerca de 30 milhões de passageiros. Na média nacional, a redução de oferta do serviço é de 60%, tendo chegado a 80% nos primeiros meses de disseminação da doença.
De acordo com o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, desde o início da pandemia no Brasil, o transporte público coletivo está adotando protocolos preventivos, que seguem as recomendações das autoridades sanitárias, da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao Ministério da Saúde (veja Transporte público).
O setor, entretanto, passou a enfrentar situação delicada. “Pelos parâmetros adotados pelos órgãos gestores antes da pandemia, o equilíbrio dos contratos era alcançado com uma concentração de até seis passageiros por metro quadrado nos horários de pico. Isso agora é impensável”, avalia Cunha.
Alternativas
Além de medidas para prevenir o contágio, a pandemia levou os governos a pensar em alternativas ao transporte coletivo de passageiros. Pesquisa feita por cientistas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) recomendou que houvesse incentivo ao deslocamento a pé ou de bicicleta. O estudo apontou, ainda, que seria necessário o aumento da frota de veículos, para evitar as aglomerações.
A infectologista Lívia Vanessa Ribeiro, membro da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, reforça a necessidade de mais veículos circulando. “Deve haver uma sensibilização, por parte dos gestores públicos e das empresas, para aumentar o número de veículos em circulação, evitando aglomerações”, destaca.
Otávio Cunha, da NTU, concorda que é preciso manter uma oferta superior à demanda para evitar aglomerações de pessoas, mas diz que “é necessário encontrar uma forma de pagar essa conta”. “Para atender às necessidades impostas pelo combate à pandemia, o modelo baseado na tarifa tornaria o preço da passagem proibitivo ao usuário”, argumenta
Apesar das dificuldades, Cunha afirma que o setor está atendendo a todas as determinações do poder público sobre como deve ser feita a operação: “Há locais no país onde a norma exige que o ônibus urbano circule só com passageiros sentados, como em Recife, assim como há outras determinações em cada município”.
“A principal medida é evitar a aglomeração de pessoas no interior dos veículos. Para isso, é preciso aumentar a quantidade da frota em circulação, limitar o número de indivíduos viajando em cada ônibus ou trem, bloquear alguns assentos para tentar aumentar o distanciamento entre as pessoas e manter os ambientes arejados”, diz a infectologista Lívia Vanessa.
Além disso, ela coloca como necessária a disponibilização de álcool em gel 70% para higiene das mãos e a manutenção da limpeza de todas as superfícies tocadas pelos passageiros. “Outra medida que poderia ser viabilizada seria a compra eletrônica de bilhetes, antes do embarque, para evitar manipulação de dinheiro.”
Carona
Para quem tenta fugir de um possível contágio usando carona, a médica explica que, “infelizmente, um carro cheio pode também favorecer a propagação de doenças, mesmo se todos os passageiros estiverem usando máscaras e os vidros, abertos, devido à maior proximidade entre as pessoas”. A infectologista afirma que, caso seja inevitável, deve-se levar o mínimo de passageiros no veículo, manter a circulação de ar natural e higienizar o automóvel após o transporte.
Sobre o vestuário utilizado no transporte público ser fonte de contágio, Lívia pondera que ainda não se sabe quanto tempo o vírus permanece no tecido. “Entretanto, é sempre recomendável que a roupa não seja utilizada em outro ambiente, devendo ser lavada assim que possível. E é importante não sacudir (a roupa) ao despir-se para evitar eventual dispersão de partículas virais”.
Créditos
Ainda no início da pandemia, entidades ligadas ao transporte público levaram uma proposta ao governo federal para minimizar os prejuízos do setor. “A sugestão é criar um programa de aquisição mensal de créditos eletrônicos de passagens, enquanto perdurar a crise da covid-19, em volume suficiente para cobrir a diferença entre receita e despesa das empresas. O transporte público é atividade essencial e precisa continuar rodando, mesmo com baixa demanda”, diz Cunha.
O presidente da NTU explica que cada crédito eletrônico de passagem seria equivalente a um bilhete. “Assim, o governo poderia usar os créditos do programa Transporte Social como um estoque a ser distribuído, agora e depois da crise do coronavírus, entre os beneficiários dos seus programas sociais”, complementa.
A crise, que eliminou o emprego de milhões de brasileiros, atingiu em cheio o setor, que mantinha 405 mil trabalhadores. Com a pandemia, foram suspensos 9.235 contratos de trabalho e outros 2.708 empregados demitidos, segundo números contabilizados até 17 de junho.
“Usando o benefício da Medida Provisória 936, os prejuízos foram parcialmente amortizados. Com a prorrogação da antiga MP, agora Lei nº 14.020, o setor terá mais 30 ou 60 dias de benefício às empresas, dependendo do caso, até somar 120 dias de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário”, informa Cunha. Ele destaca, porém, que as medidas só trazem alívio temporário, mas não resolvem a situação.
A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) sustenta que, se nada for feito, “haverá quebra dos sistemas organizados de transporte público, com perdas para a sociedade da ordem de R$ 320 bilhões por ano”, alerta Cunha. Ele explica que o montante corresponde ao custo da substituição do sistema público coletivo por alternativas individuais.
“É importante ressaltar que a migração para o transporte individual vai promover um retrocesso, do ponto de vista urbano, social e ambiental, com aumento da poluição, dos congestionamentos. E deixará desassistida a camada da população que depende do transporte coletivo para chegar ao trabalho, por exemplo”.
“Deve haver uma sensibilização, por parte dos gestores públicos e das empresas, para aumentar o número de veículos em circulação, evitando aglomerações”
Lívia Vanessa Ribeiro, infectologista