Após uma década de fechamentos de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), foi em meio ao cenário caótico de transmissão da covid-19 no Brasil que 22,8 mil vagas para internação foram reabertas. É a primeira vez nos últimos 10 anos que, ao invés de interromper o serviço, houve investimento nesse tipo de infraestrutura para mais de 75% da população brasileira que depende exclusivamente de unidades públicas de assistência em saúde. O desafio é manter parte das ampliações funcionando no pós-pandemia, já que os leitos foram contratados temporariamente.
Segundo levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), quase 41 mil leitos públicos foram fechados desde 2011, quando o país contava com 335 mil espaços de internação do SUS, destinado para internações superiores a 24 horas. Em janeiro de 2020, o número baixou para 294 mil. De acordo com o CFM, 20 estados e 19 capitais brasileiras perderam leitos na rede pública na última década. Só no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, 11.055 leitos foram desativados. Na sequência, aparecem São Paulo (com 8.031 a menos) e Minas Gerais (-5.168).
Devido à pandemia, somente entre fevereiro e junho houve um incremento de mais 22,8 mil leitos de internação. Em Roraima, a rede pública passou de 1.064 para 1.439 leitos (aumento de 35%), grande parte deles na capital Boa Vista. Amapá passou de 953 para 1.152 leitos (21% a mais), assim como Sergipe, que teve o incremento de 353 leitos no período (15%). Em números absolutos, os estados que mais habilitaram leitos de internação no último ano foram São Paulo (5.354), com ênfase na capital, onde foram abertos quase 1.800 novos leitos; Pernambuco (2.697), também em função do aumento de 1.155 unidades na capital; e Minas Gerais (2.525).
O que parece ser um bom sinal, não necessariamente se traduz em um legado. Isso porque a maioria dos contratos é temporária e provisória, voltada para hospitais de campanha. Para o CFM, a tendência é que, com o fim da crise causada pela covid, voltem a ser desativados. “Muitos desses leitos foram criados no formato hospital de campanha, instalados em praças públicas, em ginásios, campos de futebol. A gente sabe que eles serão desativados e nós vamos perder a maioria. O local onde foram criados não proporciona uma perspectiva positiva”, explica o primeiro secretário do CFM, Hideraldo Cabeça.
Dentre as especialidades mais afetadas no período, em nível nacional, estão psiquiatria (-19.690), pediatria clínica (-13.642 leitos), obstetrícia (-7.206) e cirurgia geral (-4.008). Já os leitos destinados à clínica geral, ortopedia e traumatologia, oncologia e saúde mental foram os únicos que sofreram acréscimo superior a mil leitos na última década. “As áreas básicas estão com essa defasagem quando a gente vai esmiuçar as pesquisas. É claro que os leitos clínicos estão elevados, sobretudo devido a esse aumento temporário em meio à pandemia”, diz.
Procurado sobre planejamentos em manter abertos leitos de internação habilitados durante a pandemia, o Ministério da Saúde informa: “Foram habilitados 11.084 leitos de UTI com investimento de R$ 1,5 bilhão. Todos os esforços estão direcionados para garantir a assistência à população diante da pandemia. Após o período de emergência, a manutenção será discutida com gestores estaduais e municipais de saúde.” (BL)