Há cinco meses, o Ministério da Saúde anunciava a primeira confirmação da covid-19 no Brasil. Um morador de São Paulo de 61 anos, recém chegado da Itália. Na mesma época, o país recebia milhares de turistas e foliões lotavam as ruas dos grandes centros metropolitanos durante o carnaval. O vírus se espalhou e não foi embora. Chegou sem pedir licença, infectando mais de 2,3 milhões de pessoas e circula desenfreado, mantendo os níveis de novos casos em altos patamares. Provocou a morte de 86.449 brasileiros, 1.211 apenas nas últimas 24 horas, e, nos próximos 15 dias, promete ultrapassar a margem de 100 mil mortes.
Pelas análises do Portal Covid-19 Brasil, iniciativa formada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP), o país atingirá a marca entre 9 e 10 de agosto, fim da 32ª semana epidemiológica e o início da 33ª. O membro da iniciativa Covid-19 Brasil e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Domingos Alves, pontua que a previsão feita pelo grupo é considerada conservadora e pode ser adiantada.
“As projeções estão relacionadas a essa pseudo estabilidade que está acontecendo no Brasil agora, mas isso pode mudar nas próximas semanas e a marca pode ser atingida ainda antes”. Uma análise feita pelo Correio mostra que isso pode acontecer. A conta é baseada na média de mortes registradas diariamente na última semana epidemiológica concluída, a 30ª, que é de 1.097 óbitos, a maior desde o início da pandemia. Se o Brasil confirmasse esse número de mortes todos os dias de hoje em diante, o país atingiria 100 mil óbitos em 13 dias, ou seja, em 7 de agosto.
O professor chama atenção para a média móvel de mortes, que se mantém estável há algum tempo e acredita que essa média pode subir nos próximos dias (veja quadro). Desde 19 de maio, primeiro dia em que o Brasil superou mil mortes diárias, o país confirma mais de mil óbitos, pelo menos, por três dias de cada semana. Em algumas delas, o registro que ultrapassa a casa das centenas chegou a ser feito por cinco dias seguidos. Alves acredita que a estabilidade pode estar mascarada por dados represados. De acordo com o Ministério da Saúde, até ontem, 3.691 óbitos estavam em investigação. “Na última semana, isso aconteceu com o número de casos.”
Depois de estacionar em alto patamar de novas infecções com médias diárias acima de 30 mil casos desde a 25ª semana epidemiológica, o país viveu uma semana com quebra de recordes de atualizações. Mais 67.860 casos foram confirmados na quarta-feira passada e, no dia seguinte, mais 59.961 testes deram positivos para a covid-19.
Segunda onda
O volume de novos casos acende um sinal vermelho, podendo impactar na volta do crescimento de mortes diárias. “Muitos estados e municípios começaram a flexibilizar regras e as pessoas estão circulando mais. Em estados que antes se observava um declínio, como Amapá, Maranhão, Rio de Janeiro, Ceará, se começa a ter um processo de reversão, de aumento, inclusive, da média móvel. Por isso, que a gente fala de uma segunda onda”, alerta o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Daniel Villela.
Para evitar que o aumento de casos se traduza em mais mortes também é preciso observar a taxa de ocupação de leitos de UTI. “Se estiver na ordem de 80% a 90%, existe um risco muito grande, porque é preciso ter capacidade de absorver novas demandas”, diz. Villela revela, ainda, que é necessário cuidado ao observar o cenário nacional em uma única curva. “A pandemia está acontecendo de forma heterogênea nas diversas regiões do país. Quando você coloca isso tudo junto parece que está estável, algo que mascara a real situação.”
Assim como Villela, Roberto Kraenkel, membro do Observatório Covid-19, também acredita que pequenas análises não podem ser feitas ao olhar para a curva nacional. “O Brasil impõe dificuldades em termos de estimativas, porque é uma junção de muitas dinâmicas, cada qual em uma fase da pandemia”, ressalta.
“Suas escolhas podem fazer a diferença entre a vida e a morte para um ente querido ou para um estranho”, alerta o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Não voltaremos ao antigo normal. A pandemia já alterou a forma como levamos a vida”. Por isso, para mandar embora o inimigo, as máscaras serão a nova fantasia daqui para frente.
Rio não terá o tradicional réveillon
A empresa de turismo do Rio de Janeiro (Riotur) informou, ontem,que a festa de réveillon não vai ocorrer no “modelo tradicional”, com milhões de pessoas, devido à pandemia da covid-19, e que estuda a celebração “sem presença direta de público, em modelo virtual, no qual poderá atingir o público pela TV ou plataformas digitais”. Segundo a Riotur, “o réveillon não é um evento rígido e ele pode acontecer de diversas formas, que não apenas reunindo 3 milhões de pessoas na Praia de Copacabana”. A empresa vai apresentar “nos próximos dias” uma nova proposta para comemorar o Ano Novo ao prefeito Marcelo Crivella. O objetivo, acrescentou a Riotur, é preservar “prioritariamente a segurança das pessoas”.