A corrida mundial em busca da imunização contra o novo coronavírus conta, mais uma vez, com o Brasil para avançar nas fases de testes. Depois do anúncio de resultados positivos da vacina de Oxford, que forneceu 5 mil doses a voluntários brasileiros, e o início das aplicações da chinesa CoronaVac no país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem mais um ensaio clínico para verificar a eficácia de duas novas vacinas contra o vírus.
Ontem, a principal desenvolvedora da vacina de Oxford declarou ser possível, mas não certo, que as doses estejam disponíveis até o fim do ano. “A meta do final do ano para ter a vacina disponível é uma possibilidade, mas não há absolutamente certeza sobre isso, porque precisamos que algumas coisas aconteçam”, disse a cientista da Universidade de Oxford, Sarah Gilbert, à Rádio BBC.
O governo federal sinalizou a intenção de um acordo para fornecimento de 30 milhões de doses até o fim do ano. Serão vacinas já prontas para a aplicação, visto que o Brasil não possui a tecnologia para produzir nacionalmente. O esperado é que a parceria totalize o fornecimento de 100 milhões de doses. “Isso já está pactuado e nós estamos discutindo a transferência dos recursos. Essa contratação prevê a transferência de tecnologia e o recebimento do insumo. O momento agora é o pagamento da AstraZeneca, a negociação do pagamento”, disse o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, em coletiva de imprensa.
Na avaliação de especialistas, ainda que haja uma intenção de contrato e movimentação orçamentária para viabilizar o fornecimento, isso não é o mesmo que dizer que o acordo será concretizado. Apesar do estreitamento de laços com a universidade britânica, o que dá certa vantagem de negociação ao governo brasileiro, essa carta na manga não é necessariamente o mesmo que dizer que o país será o primeiro a receber a vacina. Até porque outros países desenvolvidos e com maior capacidade de compra já fizeram as demandas antes mesmo de a fase 3 de testes ter início.
Por isso, a médica Rosana Richtmann, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, acredita ser mais provável que a tecnologia chinesa chegue primeiro à população brasileira. “A tecnologia de Oxford é mais complexa e, por isso, o Brasil precisa comprar. Estados Unidos, países europeus já estão fazendo isso. Então é mais factível que, se comprovada a eficácia, a vacina chinesa chegue com mais facilidade, porque o (Instituto) Butantan consegue reproduzir. Para que a britânica seja difundida, o governo precisa agir”, disse a médica, logo após o início dos testes no Brasil da vacina produzida em Oxford.
Eficácia
A CoronaVac começou a ser aplicada ontem, no Hospital das Clínicas de São Paulo, onde 890 voluntários serão testados. A pesquisa será realizada em 12 centros de seis unidades federativas: Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Ao todo, 9 mil voluntários da saúde que ainda não tenham contraído o vírus participarão do ensaio. A primeira voluntária a receber a vacina chinesa foi a clínica geral Stefania Teixeira Porto, 27 anos, que comemorou a aplicação da primeira dose. “Passamos por meses tão difíceis, então é uma injeção de ânimo poder participar disso e contar para as pessoas no futuro que fiz parte disso. Estou muito contente”, celebrou.
No mesmo dia, a Anvisa aprovou mais um ensaio clínico para verificar a eficácia de duas vacinas contra o novo coronavírus. A BNT162b1 e a BNT162b2 serão testadas dentro de um mesmo estudo e estão sendo desenvolvidas pelas empresas BioNTech e Pfizer.
Três perguntas para
Pedro Hallal, reitor da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da EpiCovid
Não há interesse por parte do Ministério da Saúde em continuar o financiamento da pesquisa considerada a mais completa sobre dados da epidemia da covid-19 no Brasil. O ministro interino da pasta, Eduardo Pazuello, confirmou a interrupção da EpiCovid BR-19, desenvolvida pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). “A pesquisa ficou regionalizada, e tivemos dificuldade de transferir o raciocínio para fazer uma triangulação das ideias para efeito de Brasil, como um todo”, justificou Pazuello. Nesta entrevista ao Correio, o reitor da UFPel, Pedro Hallal, discorda frontalmente do posicionamento do governo federal.
O ministro Eduardo Pazuello justificou a interrupção do incentivo à EpiCovid por
considerá-la regionalizada demais. O senhor concorda?
A gente brinca que a pesquisa não é do Oiapoque ao Chuí, é do Oiapoque a Pelotas. Ela pega de Cruzeiro do Sul do Acre até João Pessoa. Então, assim, é uma pesquisa de 133 cidades do Brasil, espalhadas em todos os estados da federação. Não dá para entender o que o ministro quis dizer com pesquisa regionalizada. Acho que talvez ele não estivesse preparado para responder à pergunta.
Na época da divulgação, o próprio ministério anunciou que seria uma avaliação de âmbito nacional, enquadrando o estudo entre os mais amplos do mundo. Por que
a mudança?
Talvez a resposta esteja na sua própria pergunta. Talvez a quantidade de informações, a transparência dos dados da EpiCovid sobre a situação do país inteiro, a velocidade com que a doença estava se espalhando pelo país... Talvez o Ministério não tenha recebido essas informações de forma tão satisfeita. Talvez aí esteja o centro do problema. Na verdade, eu diria que podem ser duas coisas. A primeira é essa, que o Ministério talvez não quisesse ter tantos dados sobre o vírus nesse momento. A segunda explicação é que se tiver os dados e não souber o que fazer com eles, também não adianta.
O Ministério da Saúde chegou a justificar a interrupção?
Fiquei sabendo pela mídia que o ministério não pretendia seguir com a pesquisa. Achei, para te falar bem a verdade, desrespeitoso. Eu fui até Brasília em duas oportunidades no meio da pandemia, apresentei o resultado na COE (Centro de Operações Especiais contra o Coronavírus) duas vezes, para o secretário executivo. Fizemos uma coletiva de imprensa juntos, reuniões, falamos sobre a continuidade da pesquisa. Espere aí, até por uma questão de respeito, alguém pega o telefone, liga para o coordenador da pesquisa, que sou eu, e diz: ‘olha, a gente analisou e achou melhor não continuar’. Mas nem isso foi feito. (BL e MEC)