O desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), será investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ter ofendido guardas municipais de Santos (SP), após ter sido multado por não respeitar um decreto local que obriga o uso de máscaras em espaços públicos, devido à covid-19. No sábado, Siqueira foi flagrado chamando um funcionário da prefeitura do município paulista de analfabeto e rasgando a multa.
Ontem, o TJSP também havia determinado a instauração de um procedimento para apurar os fatos. Contudo, por decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, a investigação aberta pelo tribunal deve ser enviada ao CNJ em até cinco dias.
O corregedor explicou que “a unificação dos procedimentos desponta como um imperativo de racionalização e de eficiência, evitando que sejam proferidas decisões conflitantes que somente teriam o condão de gerar atrasos e confusão processual”. O CNJ deu prazo de 15 dias para Siqueira, que já foi coordenador da área de saúde do TJSP, prestar esclarecimentos ao órgão.
Na opinião de Martins, os vídeos da reação de Siqueira demonstram indícios de uma possível violação aos preceitos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e ao Código de Ética da Magistratura, o que exige a averiguação pelo CNJ.
O TJSP não se manifestou sobre a decisão de Martins. De todo modo, o tribunal repudiou o episódio envolvendo o desembargador. “O TJSP não compactua com atitudes de desrespeito às leis, regramentos administrativos ou de ofensas às pessoas”, disse, em nota.
Vídeos gravados por guardas municipais de Santos mostram Siqueira caminhando na praia da cidade sem máscara. Em um primeiro momento, o desembargador foi aconselhado a colocar o item de segurança, mas não atendeu aos pedidos, dizendo que “decreto não é lei”. Depois, ao ser informado de que receberia multa, disse que não assinaria o documento e que rasgaria o papel. Em resposta, um guarda alertou que ele poderia ser multado, também, por desperdício em via pública, caso o fizesse. Mesmo assim, Siqueira não se sentiu intimidado. “Você quer que eu jogue na sua cara? Faz aí, que eu amasso e jogo na sua cara”, esbravejou.
Na discussão, Siqueira ligou para o secretário de Segurança Pública de Santos, Sérgio Del Bel. “Estou aqui com um analfabeto. Eu falei, vou ligar para ele (Sérgio Del Bel), porque estou andando sem máscara. Só estou eu aqui na faixa de praia que estou, e ele está aqui fazendo uma multa. Eu expliquei, e eles não conseguem entender”, reclamou.
Ao desligar o telefone, Siqueira voltou a dizer que rasgaria a multa e jogaria o papel no rosto do guarda municipal. Na sequência, ele se recusou a informar o próprio nome e ameaçou o profissional por ele ter lhe pedido um documento de identificação. “Você sabe ler? Então, leia bem com quem o senhor está se metendo”, disse. Quando o guarda estava prestes a finalizar o preenchimento da multa, o desembargador tirou o papel da prancheta, rasgou e jogou no chão. Depois, virou as costas para os guardas e seguiu caminhando pela praia.
Essa não foi a primeira vez que Siqueira tentou diminuir a autoridade dos guardas municipais de Santos. Em maio, ele já havia discutido com profissionais devido à obrigatoriedade do uso de máscaras. Em determinado momento, o desembargador começou a falar em francês para se mostrar superior aos guardas.
Em nota enviada ao portal G1, ontem, Siqueira disse ser vítima do que aconteceu no sábado. “A abordagem foi editada e é completamente diferente das que recebi antes, mas com uma câmera previamente ligada, fazendo parecer que de vítima sou o vilão.”
Homenagem
O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), prometeu homenagear os dois guardas municipais que abordaram o desembargador. Cícero Hilário Roza Neto, que interagiu com Siqueira, e Roberto Guilhermino receberão uma condecoração.
Em live com os dois profissionais, ontem à noite, o prefeito criticou o desembargador. “O vídeo gravado na praia de Santos explica o perfil da arrogância e prepotência de alguns homens públicos, que usam da posição privilegiada para desrespeitar a sociedade (...) e humilhar o ser humano”, disse.
Na live, Cícero Neto disse estar chateado com o que aconteceu, sobretudo por ter sido chamado de analfabeto pelo desembargador. Para ele, um dos momentos mais difíceis foi voltar para casa e ver que os seus três filhos não entendiam o motivo do incidente. “Quando entrei em casa, minha filha perguntou o que eu tinha feito para ele (desembargador). Foi algo que eu não sabia responder para ela. Eu falei que só estava fazendo o meu trabalho”, contou.
A Prefeitura de Santos confirmou a aplicação da multa e informou que Siqueira já havia sido penalizado pelo mesmo motivo em uma ocasião anterior. Além disso, o homem foi multado em R$ 208,30 por jogar lixo no chão.