Mais de dois milhões de confirmações do novo coronavírus no Brasil. Na ponta do lápis, isso representa o recorde de turistas que passaram o Carnaval no Rio de Janeiro este ano, pouco antes de a doença dar os primeiros sinais no país; ou o número total de pessoas que assistiram à última virada do ano na Paulista. Quatro meses e 20 dias após o registro do primeiro caso de covid-19 no Brasil, o país chegou hoje a 2.012.151 cidadãos infectados. A marca demonstra a rapidez com que a curva brasileira subiu nas últimas semanas. Em 19 de junho, o país alcançava 1 milhão de positivos confirmados; agora, o número dobra em menos de um mês. Isso significa que o novo milhão deve vir 4,4 vezes mais rápido do que o primeiro, iniciado em 26 de fevereiro, quando foi registrado o primeiro caso no Brasil.
Em relação ao cenário mundial, apenas os Estados Unidos superam o total de casos e fatalidades pelo novo coronavírus. Segundo levantamento do site de estatística Our World In Data, mais de 138 mil norte-americanos perderam a vida em meio à pandemia e mais de 3,5 milhões foram infectados. Por outro lado, é o Brasil quem lidera na atualização de novas mortes atualmente. Enquanto os EUA registraram menos de mil novos óbitos, ontem, em território nacional foram contabilizados mais 1.322 brasileiros mortos pela covid-19, totalizando 76.688 vidas perdidas.
Para especialistas, os números mostram a gravidade da pandemia no Brasil, apesar da subnotificação. “Não há dúvidas de que estes números não refletem a triste realidade do país, consequente à notificação decorrente do pífio número de testes aplicados na população”, critica a médica e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Tânia Chaves. “Poderíamos estar contando e vivendo uma realidade menos dolorosa se as estratégias assertivas tivessem sido adotadas no lugar da negação da ciência brasileira e da simplificação da gravidade que o Sars-Cov-2 representa”, completa a infectologista.
De acordo com as estimativas do Portal Covid-19 Brasil, iniciativa liderada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP), há até seis vezes mais infectados no país do que o revelado oficialmente, com variação entre 12,2 milhões e 8,6 milhões de positivos para o vírus.
No mais recente levantamento do Imperial College de Londres, a taxa de contágio (Rt) brasileira está em 1,03. Isso quer dizer que um grupo de cem doentes tem capacidade de transmitir a covid-19 para outras 103 pessoas. Taxas acima de 1 significam que a doença ainda está descontrolada. Assim, o Brasil está há 12 semanas entre os países com o vírus ativo.
Platô
Para o diretor médico da Dasa, grupo do Laboratório Exame, Gustavo Campana, os dados indicam que atingimos um platô (estabilização) do número de casos e mortes, mas ainda não é possível saber quanto tempo ele vai durar. Segundo o especialista, esse é o comportamento esperado da doença. “Você sobe, atinge um platô, fica durante um tempo nesse platô e começa a cair. Então, a gente acredita que está nesse platô, mas a gente não sabe quanto tempo ele vai durar”, afirma.
Com o avanço da infecção para o Centro-Sul do país, as taxas começam também a migrar, o que aponta que não há previsão para um declínio significativo de mortes e casos. O presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), José Luiz Gomes do Amaral, vê o avanço com preocupação: “Tais números continuam a crescer sem sinais de arrefecimento. E não há, portanto, solução à vista.”
O que dizer do atual estágio da covid-19 no Brasil?
“Esse número de casos é mais do que o bastante para refletir com clareza a extensão da pandemia em nosso país e a gravidade do desastre sanitário que nos aflige. Ainda pior é a constatação de que tais números continuam a crescer, sem sinais de arrefecimento. Não há, portanto, solução à vista. Ao mesmo tempo e paradoxalmente, o assunto em pauta é a flexibilização do isolamento e o ‘pós-covid’. Fala-se isso como se houvéssemos alcançado o controle da situação. Parece que renunciamos ao combate à covid-19. Rendemo-nos. Simplesmente jogamos a toalha.”
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista
de Medicina (APM)
“Os números significativos devem ser vistos como pessoas, famílias, brasileiros. Não há dúvida de que esses números não refletem a triste realidade do país, consequente ao pífio número de testes aplicados na população. O Brasil possui um sistema de saúde robusto e capilarizado, o SUS, que é universal e, a despeito de tudo, está salvando vidas todos os dias. É preciso trazer soluções e esperanças para a população e para todos os profissionais envolvidos na linha de frente. Os caminhos são longos, é preciso que as autoridades do Brasil assumam suas responsabilidades.”
Tânia Chaves, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia
“Nesses quatro meses de epidemia no Brasil e dois milhões de casos, nós aprendemos algumas coisas boas e outras, ruins. A primeira é que conseguimos nos mobilizar com o isolamento social, que funcionou na maior parte do país, e conseguimos ter uma curva de ocorrência da doença que minimizou os impactos da epidemia. Por outro lado, observamos com tristeza como as diferenças do Brasil ficaram escancaradas. E também o quanto há de dificuldade de prevenção de tratamento, que acaba impactando e também prejudicando os menos favorecidos.”
Renato Grinbaum, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia
“A gente vai ter a certeza de que atingiu um pico depois de passar por ele, porém tudo indica que a gente está em um platô. Mas é importante lembrar que a queda é mais lenta do que a subida. Essa queda do número de casos por dia é uma queda mais lenta do que a subida porque você passa a ter um número de casos acumulados, então potenciais transmissores, maior. É preciso continuar investindo para aumentar a capacidade do número de testes e dos atendimentos. O teste é uma fonte de dados e dados são importantes para uma tomada de decisão.”
Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, grupo do Laboratório Exame