A ex-patroa da empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, Sarí Corte Real, se tornou ré pela morte do filho da funcionária, Miguel Otávio de Santana, que tinha apenas 5 anos quando despencou do nono andar de um edifício no centro do Recife. A denúncia do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra Sari, feita na manhã da última terça-feira (14/7), foi aceita na noite do mesmo dia pelo juiz da 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, José Renato Bizerra Os advogados de Sarí devem apresentar a defesa prévia em até dez dias.
A denúncia do MPPE seguiu o inquérito da Polícia Civil, por abandono de incapaz com resultado de morte que, em caso de condenação, pode levar até 12 anos de prisão. A nota emitida pelo Ministério Público ressalta ainda o artigo 61 do Código Penal brasileiro, apontando agravamento do crime por ter sido cometido contra uma criança e durante uma situação de calamidade pública, referindo-se à pandemia da covid-19.
"São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [quando cometido] contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida; [e] em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido", dispõe o artigo 61 do código penal.
Para aceitar a denúncia, o juiz José Renato Bizerra alegou "indícios de autoria e materialidade do delito, conforme se extrai do inquérito policial, bem como a legitimidade do Ministério Público para propor a ação". No recebimento da denúncia, o juiz também ordenou que a defesa de Sarí responda à acusação por escrito em um prazo máximo de dez dias, apontando tudo o que for de interesse da defesa e oferecendo documentos e justificativas.
Procurado pelo Estadão, Pedro Avelino, um dos advogados de Sarí Corte Real, disse que a defesa foi pega de surpresa e que não foi informada oficialmente do recebimento da denúncia. Por isso, só vai se pronunciar após ser notificada.
"A gente não foi informado de nada do processo, que corre em segredo de Justiça. Eu soube dessa informação por uma publicação de uma notícia sobre o recebimento [da denúncia do MPPE pelo juiz] ontem às dez horas da noite. Então, a gente vai ver como vai se posicionar. Realmente, estou bem surpreso com essa divulgação de um processo que corre em segredo de justiça. E a gente, que está constituindo os autos do processo, está sabendo da movimentação do processo através de notícias do site do Tribunal de Justiça", afirmou Pedro Avelino.
Em entrevista a uma TV local, outro advogado de Sarí Corte Real, Célio Avelino, disse que vai se ater às conclusões da perícia para defender a cliente, lembrando que a Polícia Científica de Pernambuco concluiu que a morte de Miguel foi de natureza fortuita, acidental. "Entendemos a dor que Mirtes está passando e sou solidário a ela. Mas, juridicamente, é um processo de baixíssima complexidade. Acho que não vai para frente", pontuou. "A divulgação de um processo que corre em segredo de Justiça é um equívoco grande, mas não atrapalha o processo. Eu tenho muita confiança na Justiça", finalizou.
Por sua vez, o advogado de Mirtes Renata, Rodrigo Almendra, afirmou que teve as expectativas cumpridas, pela aceitação da denúncia pelo juiz. "Caberá ao promotor de justiça, titular da ação penal pública, o protagonismo da acusação. O Tribunal de Justiça, por meio de seu presidente, tem implementado esforços para dar celeridade aos processos de natureza criminal durante a situação de emergência sanitária (covid-19). Acreditamos que esse empenho se refletirá, também, nos autos do processo criminal que principia na 1ª Vara dos Crimes Contra a Criança e o Adolescente da Capital", disse em nota.
No dia da morte de Miguel Otávio de Santana, 2 de junho, Sarí Corte Real foi autuada em flagrante por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. Após as investigações da Polícia Civil de Pernambuco (PCPE), sob responsabilidade do delegado Ramon Teixeira, e das perícias do Instituto de Criminalística (IC), Sarí foi indiciada por abandono de incapaz com resultado morte, um crime preterdoloso (foi apontada a intenção no abandono, mas não na morte), o que aumentou a pena máxima, podendo chegar até 12 anos de prisão.
Improbidade administrativa
No dia 1º de julho, o Ministério Público também ajuizou uma ação civil pública por atos de improbidade administrativa contra o marido de Sarí Corte Real, o prefeito de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, Sérgio Hacker (PSB), para que ele perca o cargo e fique inelegível.
Com a repercussão da morte de Miguel, veio à tona que Hacker utilizava recursos públicos municipais para pagar os salários da mãe do menino, Mirtes Renata, e da avó, Marta Santana, empregadas domésticas nas casas da família do prefeito. Elas estavam cadastradas no quadro funcional da prefeitura em cargos comissionados.
"No caso do prefeito de Tamandaré, o MPPE identificou práticas de improbidade que causaram enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação aos princípios da administração pública em razão da nomeação, para cargos comissionados no quadro funcional da Prefeitura, de três mulheres que eram de fato funcionárias domésticas da família Hacker (...) Embora nomeadas para cargos na Prefeitura de Tamandaré, elas jamais prestaram serviços à administração municipal", afirma a nota do Ministério Público publicada no início deste mês. Os gastos do poder público com as funcionárias somaram R$ 193.365,20 (valores corrigidos) no período.
Saiba Mais
Em nota, a Prefeitura de Tamandaré informou que Sérgio Hacker (PSB) não foi, até o momento, informado oficialmente sobre as ações do MPPE e que, ao receber a ação judicial, vai se defender de forma plena e efetiva. A nota ainda argumenta que o prefeito vem sendo submetido a um linchamento moral e de desconstituição de sua imagem nos últimos dias.
Relembre o caso Miguel
No dia 2 de junho, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morreu depois de cair do nono andar, a uma altura de 35 metros, de um dos prédios do Condomínio Pier Maurício de Nassau, no centro do Recife. O menino era filho de Mirtes Renata Santana de Souza, que trabalhava como empregada doméstica na casa de Sarí Corte Real, primeira-dama do município de Tamandaré.
Sem ter com quem deixar o menino durante a pandemia e tendo que trabalhar, a empregada doméstica levou o filho para a casa da patroa e o deixou sob a responsabilidade dela ao descer para passear com a cachorra da família. Miguel quis encontrar a mãe e Sarí o deixou sozinho em um dos elevadores do prédio instantes antes da tragédia. Apesar de ter sido autuada em flagrante no dia da morte do menino, Sarí Corte Real pagou fiança de R$20 mil para aguardar as investigações e responder em liberdade.