Brasil

Médicos são pressionados por pacientes para receitar cloroquina

Pacientes insistem na indicação de tratamentos sem eficácia comprovada, diz pesquisa. Hidroxicloroquina, que tem o presidente Bolsonaro como garoto-propaganda, e ivermectina estão entre os de maior procura. Redes sociais ajudam na desinformação

Correio Braziliense
postado em 09/07/2020 06:00
ilustração de uma médica com pacienteNa luta contra o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro, infectado, insiste na promoção de um tratamento sem eficácia comprovada à base de um remédio de nome difícil, mas que já foi incorporado ao vocabulário do brasileiro: hidroxicloroquina. O engajamento ganhou novo capítulo, com direito a vídeo nas redes sociais. O incentivo ao uso dessa e de outras substâncias, como ivermectina e nitazoxanida — medicamentos antiparasitários, no entanto, tem afetado o trabalho dos médicos brasileiros em meio à pandemia. Quase metade relata sofrer pressão para prescrever tratamentos sem comprovação científica.

ilustração de dados

Pesquisa feita pela Associação Paulista de Medicina (APM) com médicos de todo o Brasil revela que 48,9% afirmam ter a relação com paciente comprometida. “Isso interfere negativamente no tratamento de modo geral. Quando o paciente chega com solicitação específica, não quer exame, diagnóstico, planejamento de acordo com o quadro clínico. Quer uma receita, prescrição. As relações começam enviesadas e esse não é o caminho”, explicou o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral.

Os profissionais entrevistados no estudo atestam que as fake news sobre tratamentos da doença levam a população a minimizar o problema. “Notícias falsas de remédios miraculosos geram uma falsa sensação de segurança e acabam fazendo com que as pessoas se descuidem das medidas de distanciamento que, de fato, previnem”, lamentou o médico.

Atualmente, a hidroxicloroquina é o medicamento com uso fora da bula mais requisitado diante da popularização promovida ao longo dos últimos meses. Mesmo sem eficácia comprovada e deixando de ser usada em estudos por poder apresentar graves efeitos colaterais, em altas doses, a droga chega a ser defendida nas redes sociais para um uso profilático. Ao anunciar que estava fazendo uso do medicamento, esta semana, mesmo antes de ter a doença comprovada, Bolsonaro corrobora para essa demanda que, para autoridades e entidades de saúde, representa riscos à saúde da população.

Coordenador do Centro de Contigência Covid-19 de São Paulo, Paulo Menezes afirmou, ontem, que a Secretaria de Saúde do estado contraindica o uso do medicamento. “Nós temos notas técnicas que contraindicam o uso de cloroquina em casos leves porque não há nenhuma evidência da eficácia desse medicamento e há risco de efeitos colaterais, que podem ser sérios”, ressaltou, ontem, em coletiva de imprensa. O médico João Gabbardo, coordenador executivo do Centro de Contingência, explicou que a discussão sobre o uso da cloroquina tem se afastado de evidências científicas e ganhou um viés político. “Esse assunto tem sido colocado de uma forma muito polarizada e politizada, estamos afastando a discussão da ciência.” 

Sem apoio


Nem mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que emitiu parecer autorizando uso da hidroxicloroquina, inclusive nos casos mais brandos de pacientes de covid-19, defende o uso de maneira preventiva. “No que se refere às estratégias e métodos de prevenção à covid-19, o documento do CFM ressalta que as únicas reconhecidas, até o momento, para prevenir a infecção, são o reforço à higienização e se evitar a exposição ao vírus”, disse o parecer.

Além da hidroxicloroquina, outros remédios começaram a ser apontados como salvação para o novo coronavírus desde o início da pandemia. “O uso de medicações por via oral e de baixo custo para o tratamento da covid-19 é muito atraente e desejável, por permitir seu uso em larga escala, com o potencial de beneficiar inúmeros pacientes”, diz o informe da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre o assunto. No entanto, o mesmo informe explica que o uso deve ser feito no âmbito de estudos clínicos randomizados. “Sem esses estudos, corremos o risco de administrar medicamentos para centenas de milhares de pacientes, sem sabermos se os pacientes foram beneficiados, prejudicados ou se nada mudou na evolução”.

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