Brasil

Os riscos do efeito sanfona

Sem uma vacina contra a covid, o brasileiro deve se acostumar com a ideia de que será preciso conviver com a quarentena intermitente, precisando equacionar a liberação e a restrição de atividades. Rio e São Paulo preocupam especialistas

 
Ainda sem poder contar com uma vacina contra o novo coronavírus, a população precisa se acostumar a conviver com o abre e fecha das atividades. É o que afirmam os especialistas ouvidos pelo Correio. Apesar de a prática ser comum em meio à pandemia de covid-19, a retomada de forma precoce pode trazer prejuízos já vivenciados em alguns estados brasileiros, como Minas Gerais, que viu o número de infecções explodir após a flexibilização da quarentena. Até a descoberta da imunização, o alerta é para que as autoridades equalizem a discussão que coloca a saúde e a economia em extremos opostos e, assim, consigam amenizar os impactos da pandemia em todas as esferas. 

À frente das projeções que levaram o governador Ronaldo Caiado a sugerir um lockdown intermitente em Goiás, o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás Thiago Rangel chama atenção para o equilíbrio das decisões. “Na prática, precisamos sair dessa discussão polarizada entre lockdown e não fazer nada. Essa dicotomia, em que só se prevê dois lados, não é produtiva”, destacou Rangel, em reunião com representantes do governo e da sociedade civil goiana. 

Durante o encontro, o pesquisador apresentou estimativa de mais de 18 mil mortes por covid até setembro caso não houvesse mudança na forma de enfrentamento da doença no estado. A sugestão apresentada foi de lockdown intermitente, com fechamento durante 14 dias e abertura nos próximos 14, de maneira intercalada até setembro. Segundo Rangel, um fechamento por período longo e indeterminado teria um grande impacto sócioeconômico, com agravamento das desigualdades e possível baixa adesão. “O lockdown é uma ferramenta extremamente importante e que deve ser usada com parcimônia em casos e momentos específicos, porque é extremamente amarga e não é a única ferramenta que nós temos.”

O governador Ronaldo Caiado pediu a adesão dos municípios à conduta sugerida. No entanto, cabe aos prefeitos decretar ou não a medida. Enquanto o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, seguiu a sugestão e decretou fechamento das atividades não essenciais por 14 dias, a prefeitura de Aparecida de Goiânia informou, por meio de nota, que o município manterá o sistema de matriz de risco e o escalonamento regional de abertura de comércio. 

Já no Entorno do DF, a decisão foi no sentido de realizar o lockdown somente aos fins de semana. Além disso, houve alteração nos horários dos serviços, essenciais ou não, durante a semana, para evitar aglomerações e conter a disseminação da covid-19. Os municípios goianos atingidos pela medida são: Águas Lindas de Goiás, Abadiânia, Alexânia, Padre Bernardo, Valparaíso, Luziânia, Cidade Ocidental, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás. A decisão começou a valer no fim de semana.

Ferramentas
A convivência com a retomada e o fechamento de atividades por um período indeterminado é conformidade entre os especialistas. “Infelizmente, nós vamos conviver com isso por um período ainda não determinado e acho que o platô (estabilização de casos) vai ser um termômetro para definir isso, mas ainda não estamos nele. Para atingi-lo, precisamos de medidas de isolamento efetivas”, avaliou Rodrigo José, médico do serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Imaculada Conceição, em Curvelo. No estado de Minas Gerais, a flexibilização foi descartada pela Secretaria de Saúde nos próximos 15 dias. Isso porque Minas Gerais foi um dos quatro estados que alcançaram mil mortes pelo vírus ao longo da semana passada, após retomar parte das atividades.  

“Em Minas Gerais, a gente teve uma flexibilização precoce, tanto é que, em duas semanas, a gente teve que fechar. Em Curvelo, cidade do interior do estado, a gente viu o crescimento de número de casos confirmados e também uma grande incidência de internação em terapia intensiva”, afirmou Rodrigo José, que é plantonista da UTI de covid-19 em dois hospitais. Segundo ele, em duas semanas, o número de pacientes internados em UTI no estado dobrou em relação aos últimos 30 dias. 

Após o salto de casos, o governo estadual recuou na flexibilização, e o secretário de Saúde de Minas, Carlos Eduardo Amaral, informou que prefere não sinalizar uma data específica para a volta gradual de atividades. “Não é momento de flexibilizar ou modificar o isolamento. Trabalhamos com projeções baseadas em análises técnicas de números que tentam chegar mais próximo da realidade”, disse o secretário, na última sexta.