Enquanto o novo coronavírus se alastra pelo Brasil, com registro de quase 40 mil casos confirmados nas últimas 24 horas e mais de 1,3 mil vidas perdidas de segunda para terça-feira, o Ministério da Saúde, mesmo com verba disponível, não usou nem 30% dos recursos exclusivamente destinados ao enfrentamento da covid-19. Dos R$ 39,3 bilhões em créditos extraordinários liberados por meio de oito medidas provisórias, apenas R$ 10,9 bilhões foram efetivamente pagos até o momento, o equivalente a 27,2% do total. Se por um lado o saldo é avaliado pela pasta como uma vantagem para conseguir arcar com as necessidades que ainda estão por vir durante a pandemia, por outro, escancara a situação crítica da saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, o recurso não foi totalmente empenhado, justamente para resguardar verba para o enfrentamento da pandemia nos próximos meses. No entanto, com os valores já usados, ou seja, liberados para pagamento, há quase R$ 28,4 bilhões em caixa. Entre as principais justificativas para a retenção estão a falta de equipamentos, reagentes, insumos e recursos humanos disponíveis no momento; a necessidade de aprovação de projeto de emenda para destravar as verbas; MPs que carecem, ainda, da elaboração de portaria para empenho; e reserva de dinheiro para remuneração de trabalhadores temporários.
Ministro interino há 40 dias, Eduardo Pazuello afirmou, ontem, durante audiência pública da comissão mista criada para acompanhar as ações do governo federal no enfrentamento à covid-19, ser “interessante” manter uma reserva de recursos financeiros. “Então, o percentual de saldo que nós temos eu considero que está bom, é bom que haja algum saldo para que a gente possa manobrar. Então, tirando a (MP) 969, que ainda está praticamente toda em elaboração, os saldos das demais estão aqui”, afirmou. Sozinha, a MP citada pelo general deve liberar R$ 10 bilhões em transferência fundo a fundo e, pelas expectativas da pasta, o desentrave deve ocorrer ainda esta semana.
Com trocas de gestão, desencontros de orientações dentro do próprio governo federal e a necessidade de interferências judiciais para cessar a guerra entre as instâncias do Executivo diante da falta de alinhamento, o problema em gerir a crise ultrapassou qualquer carência de recurso financeiro. Análise da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), divulgada na última semana, denuncia a atuação do governo em meio à pandemia. “Não podemos deixar municípios e estados atuarem sozinhos, sem o recurso emergencial. Estamos com ministro interino e com o Sistema Único de Saúde (SUS) desfinanciado. É a maior crise sanitária da história. Conseguimos recurso emergencial, mas está parado. Isso é inadmissível, mostra o descompromisso do governo com a vida”, criticou o presidente do CNS, Fernando Pigatto.
A reserva precisa ser usada para fortalecer determinadas carências. É o que acredita a infectologista Valeria Paes, do Hospital Sirio-Libanês em Brasília. “O investimento para ampliar a realização de exames diagnósticos é essencial. Conhecer bem onde estão os casos é fundamental para direcionar os esforços de prevenção da transmissão cruzada, identificar rapidamente os vulneráveis, fortalecer a estrutura de saúde local. Em suma: a informação é fundamental para a ação”.
Testes
Pazuello também voltou a prometer transparência na pasta e assegurou que dados sobre os recursos econômicos e outros insumos distribuídos pelo Ministério da Saúde serão incluídos na plataforma lançada em 12 de junho. “Todos os brasileiros vão poder acompanhar cada centavo, cada item que foi distribuído para cada município, para cada estado. Quando foi, para o que foi, qual a origem, quando foi entregue aquilo e onde está. Não só números. Os números já estão disponíveis integralmente, mas, agora, nós vamos disponibilizar, na mesma plataforma, todos os dados do Ministério da Saúde. A transparência vai ser infinita”, garantiu.
O ministro interino afirmou, ainda, que a orientação de um programa para testagem do novo coronavírus em massa está pronta, pactuada e deve ser apresentada hoje, durante coletiva do Ministério da Saúde “Nós fizemos uma orientação para testagem em massa e diagnóstico, e ela já está pactuada e aprovada”, revelou. De acordo com Pazuello, a revisão na estratégia de diagnóstico irá “mitigar o problema de se fazer um efetivo controle” de transmissão da doença.
“Estamos com ministro interino e com o Sistema Único de Saúde (SUS) desfinanciado. É a maior crise sanitária da história. Conseguimos recurso emergencial, mas está parado. Isso é inadmissível, mostra o descompromisso do governo com a vida”
Fernando Pigatto, presidente da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS)