“É muito triste ver esses dados epidemiológicos do Brasil. Mas, infelizmente, era de se esperar com uma política governamental tão errática e, muitas vezes, contraditória, na qual o próprio presidente da República é contra as orientações do Ministro da Saúde, quando nós ainda tínhamos um ministro”, disse o professor da Universidade Federal de Minas Gerais Unaí Tupinambás, que é referência em Belo Horizonte e integra o comitê formado por infectologistas para combate ao coronavírus na capital mineira. Há 37 dias, o oncologista Nelson Teich deixou o comando do ministério – segunda baixa no cargo em meio à pandemia do novo coronavírus. “Infelizmente, a gente pode ainda bater novos recordes já que a taxa de letalidade não para de aumentar”, acrescentou.
A infectologista, MBA em Gestão de Saúde e Controle de Infecção Associada a Sistemas de Saúde e mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins, Luana Araújo, classifica a situação atual como uma “tragédia”. “E não se pode dizer que a tragédia já se encerrou. Independentemente do número bruto de mortes, cada uma delas é um sofrimento imensurável e elas precisam ser respeitadas e sentidas”, disse. “Infelizmente, a gente não pode dizer que vamos parar por aí. A doença está se interiorizando, tem se espalhado rapidamente e isso é extremamente preocupante”, acrescentou. Ela acredita que o problema está bem longe de uma resolução.
De acordo com o Ministério da Saúde, o maior número de casos confirmados ainda continua com o Nordeste (379.297). A Região Sudeste vem logo em seguida, com 377.817. Centro-Oeste conta com 63.553, o Sul com 51.531 e o Norte, com 212.940 casos confirmados. A taxa de letalidade da doença está em 4,7%.
E a interiorização do coronavírus no Brasil preocupa. Os casos confirmados da doença aumentaram de forma significativa nas cidades-polo dos estados nos últimos dias. O quadro se agrava com o esgotamento dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e a escassez de respiradores. “A interiorização da doença preocupa por várias razões. Ela preocupa porque existe uma subnotificação ainda maior fora das cidades polo. São locais nos quais existe uma qualidade técnica e suporte tecnológico menor que nas capitais. Isso dificulta o manejo do paciente grave com a COVID-19 e, quando se recorre aos sistemas de saúde das capitais, eles estão saturados”, explica Unaí Tubinambás.
Platô?
Em 19 de maio, pela primeira vez, o Brasil registrou mais de mil mortes por COVID-19 em 24 horas. Desde essa data, por 19 dias o país contabilizou mais de mil óbitos. Daquele dia até ontem 32.646 pessoas perderam a vida em decorrência da doença. Na quinta-feira, o Ministério da Saúde avaliou que o país caminha para uma tendência de estabilização da curva de casos e mortes em decorrência da doença. "Quando olhamos a inclinação da curva de novos casos de COVID-19, dá a entender que estamos entrando em um platô e que a curva se encaminha para uma estabilidade", disse, na ocasião, o secretário de Vigilância em saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
Na visão do infectologista Unaí, a avaliação é precoce. “As taxas de transmissão no Brasil inteiro estão se estabilizando em 1,05 – que ainda é um pouco alto. Precisamos pensar com muita segurança sobre essa flexibilização. Lembrando que, em momento nenhum, a gente fez o isolamento social total. Vale lembrar que quando foi proposto, o presidente foi às ruas incentivar a população a sair”. Disse.
Luana ainda ressalta que a subnotificação dificulta a avaliação do estado real da pandemia do país. “Estamos sempre correndo atrás do vírus e nunca conseguimos nos preparar. Se não tivermos uma abordagem bastante agressiva com relação a testagem em massa, estaremos sempre correndo atrás do vírus”, disse. “Dizer que o pior já passou é muito difícil. Depende da região e do comportamento das pessoas”, acrescentou.
Quebra-cabeça nacional
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“Manaus parece que atingiu o seu nível mais baixo e está mais tranquilo no momento. Mas há estudos mostrando que pode ter a segunda onda de contaminação na segunda quinzena de julho”, completa o infectologista Unaí Tupinambás. De acordo com o boletim epidemiológico divulgado ontem pelo Ministério da Saúde, a cidade tinha 25.103 casos e 1.711 mortos. Em 24 horas, foram 125 novos casos e oito mortes.
“Rio de Janeiro e São Paulo mostram redução de casos mais graves, principalmente, nas últimas duas semanas. Isso é uma notícia boa, claro, mas a preocupação agora é com o que vem pela frente”, disse Luana. Mesmo com a redução, São Paulo e Rio de Janeiro seguem como os estados com números mais altos de incidência da doença no país. Com mais 949 registros de casos nas últimas 24 horas, São Paulo alcançou ontem 106.540 confirmações de infecção pelo novo coronavírus. O número de óbitos chegou a 6.387, com 16 mortes a mais do que sábado. Já o Rio de Janeiro registrou 8.875 mortes por COVID-19 em 24 horas – 51 óbitos a mais. No estado, 96.133 pessoas já testaram positivo para a doença.