Brasil

Venezuela envia carta à ONU acusando Brasil de ser ''bomba sanitária''

Documento diz ainda que o presidente Jair Bolsonaro e o governo brasileiro agem com ''negligência criminosa'' frente à pandemia de covid-19

O governo da Venezuela enviou uma carta ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres, em que chama o Brasil de "bomba biológica" e acusa o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de agir com "negligência criminosa" frente à pandemia de covid-19. O Brasil é o segundo país com mais mortes e mais casos da doença no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

"Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência na oportunidade de me referir à perigosa situação que sofre a América do Sul, incluindo a República Bolivariana da Venezuela, como resultado do avanço agressivo da covid-19 e da irresponsável atuação do Sr. Jair Bolsonaro, presidente da República Federativa do Brasil, país onde hoje se encontra o principal foco da enfermidade em nossa sub-região", diz o documento, assinado por Samuel Moncada, representante permanente da Venezuela perante a ONU, e compartilhada por Jorge Arreaza, ministro das Relações Exteriores e ex-vice-presidente do país.
 
 

Na carta, o governo venezuelano destaca a extensão territorial do Brasil e demonstra preocupação com a situação em estados fronteiriços, afirmando que alguns refugiados retornam ao país de origem em razão "da discriminação, da xenofobia e outras formas relacionadas de intolerância": "Neste 15 de junho (data em que o documento foi enviado), por exemplo, toda a Venezuela registra 3.062 casos confirmados, enquanto apenas os dois estados fronteiriços do Brasil (Amazonas e Roraima) contabilizam mais de 62.000 casos confirmados. À luz do exposto, permita-nos enfatizar que a negligência criminosa do governo brasileiro ao abordar essa realidade nas regiões limítrofes da fronteira sudeste de nosso país é motivo de grande alarme".

De acordo com a Universidade Johns Hopkins — referência no acompanhamento global de dados relativos ao novo coronavírus —, a Venezuela é um dos países com menos casos de covid-19 na América do Sul, com 3.150 registros oficiais nesta quarta-feira (17/6), atrás apenas de Guiana, Suriname, Uruguai e Paraguai. À ONU, os venezuelanos disseram ainda ter "a menor taxa de contágio e o menor número de casos confirmados de covid-19 por milhão de habitantes na América Latina e no Caribe". 

Algumas entidades, contudo, questionam os dados fornecidos pelo governo de Nicolás Maduro. Em maio, a Academia de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais da Venezuela publicou um estudo em que afirma ser "provável que exista uma subnotificação significativa no número de pessoas infectadas que se reporta oficialmente". Após a publicação, a instituição foi ameaçada pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello. Considerado o número 2 do regime chavista, ele disse sobre o estudo: "Isto é um convite para que os órgãos de segurança visitem esta gente".

"Gripezinha"

O documento elenca três ações de Bolsonaro que considera "alarmantes" e "chaves fundamentais em relação à pandemia". A primeira é a "negação da severidade da pandemia", exemplificada, segundo o governo venezuelano, por comparações da covid-19 a uma "gripezinha" ou "resfriadinho" e pela participação em manifestação "contrária às medidas de proteção".

O segundo ponto é a "carência de uma política pública coerente para contenção da pandemia", notabilizada pela remoção de dois ministros da Saúde "pelos simples fato de apelarem ao bom senso que deve prevalecer frente a calamidades". "É claro que estamos diante de um Chefe de Estado e Governo que intencionalmente impede, com abuso de autoridade, a salvação de vidas de seu próprio povo", escrevem os venezuelanos. O último ponto são as "ameaças ao multilateralismo", uma vez que, assim como fizeram os Estados Unidos, Bolsonaro ameaçou retirar-se da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por fim, o governo venezuelano pede que a ONU induza "as autoridades do Brasil a cessarem suas ações imprudentes na luta contra esta enfermidade mortal". "A enorme importância do Brasil na região faz com que sua influência seja ampliada, tanto para fazer o bem quanto para fazer o mal. É doloroso ver como hoje está desperdiçando a oportunidade de liderar a luta para salvar milhões de vidas e, ao contrário, está se convertendo em um gigantesco agente regressivo e destrutivo. Dessa forma, hoje o Brasil é uma verdadeira bomba humanitária que põe em risco a saúde, o bem-estar e a vida de nossos povos", conclui o documento.