Com atualizações diárias na casa dos milhares, o Brasil é, hoje, o epicentro do novo coronavírus na América Latina e, sem conseguir frear a disseminação que explode invisivelmente pelo interior, caminha para ser líder mundial do triste ranking da pandemia. Considerando apenas os números oficiais, o Brasil passou a Itália no ranking absoluto de mortes pelo novo coronavírus esta semana; na anterior, tomou a frente de Espanha e França. Com isso, tornou-se o terceiro país onde mais se morre por covid-19. Segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, somente o Reino Unido (com mais de 40 mil mortes) e os Estados Unidos (cerca de 109 mil óbitos) superam as perdas brasileiras.
No entanto, o crescimento de mortes diárias no Brasil ultrapassa o inglês há dias e, por isso, a previsão é de que o país assuma a segunda posição da lista ainda nesta semana. Por meio de cálculo de modelo matemático exponencial para os 10 dias seguintes, o Portal Covid-19 Brasil estima, por exemplo, que até sexta-feira, haverá 925 mil confirmações de casos no país. Pela mesma metodologia, o grupo concluiu que as mortes devem saltar de 35.930 para mais de 46,8 mil até o mesmo período.
País que mais registra aumento de óbitos em 24 horas pela doença, está também no começo da lista de mais registros e mortes em números absolutos. Para situar melhor em que pé se encontra o Brasil, uma análise mais cautelosa torna-se necessária, como, por exemplo, a comparação por milhão de habitantes, que coloca o país em situação menos catastrófica quando comparada a outros países com mais de 25 mil mortes.
Isso não significa, porém, que a situação brasileira esteja tranquila. Pelo contrário, já que, diferentemente dos países europeus, o Brasil ainda não passou pela fase mais crítica da pandemia. Mesmo sem prever um pico de transmissão, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a estabilidade das infecções ainda é um cenário futuro nas Américas, atual epicentro da doença.
Braço da OMS, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) avalia que a região está no auge da pandemia, sendo a mais afetada atualmente e encabeçada pelo Brasil. Mesmo assim, pesquisadores do Portal Covid-19 Brasil, iniciativa da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB), calculam que o número real de infectados chega a ser 10 vezes maior do que o divulgado, variando entre 4,6 e 6,5 milhões.
A defasagem se dá pela pouca testagem para o novo coronavírus, falha declaradamente assumida pelo Ministério da Saúde. Ainda assim, o Brasil é o segundo país com mais casos confirmados no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O país norte-americano soma, aproximadamente, 1,9 milhão de confirmações. Como apresentado por estimativas de pesquisados, os números reais de infectados no Brasil podem, inclusive, ultrapassar os dos EUA.
Análise comparativa
Dentro do grupo de países mais afetados pelo novo coronavírus, o Brasil registrou mais de 100 mortes entre 10 e 24 dias após as demais nações. Ao avaliar a situação de cada um separadamente, levando em consideração a evolução dos dois meses seguintes, a partir de uma centena de óbitos, observa-se que, enquanto os países europeus, com menor dimensão territorial estavam em estabilização de mortes, os Estados Unidos e o Brasil apresentavam crescimento exponencial (confira a curva da covid-19). Atualmente, a maior aceleração é a brasileira.
A dimensão continental, além de um dificultador de controle de disseminação da doença, acaba sendo um dos fatores que demandam uma análise comparativa que vai além da consideração dos dados puramente absolutos. Ao questionar a quantidade de perdas em relação à população total do país, por exemplo, o Brasil não supera os números das nações europeias. Pelas avaliações do site de estatística Our World in Data, a Espanha é o local onde, proporcionalmente, o novo coronavírus foi mais grave entre os seis países com mais mortes absolutas.
No país espanhol, são 597 mortos a cada milhão de habitantes, seguido pelo Reino Unido (587), Itália (557), França (445) e Estados Unidos (326). O Brasil tem 160 mortes a cada milhão de pessoas. O que não significa que a epidemia na população brasileira não esteja tão grave. “É apenas uma questão de tempo”, alerta Paulo Buss, médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo (USP).
“Nós, no Brasil, estamos em tempos diferentes de disseminação do vírus, com pelo menos 15 a 20 dias atrasados em relação a Espanha, Itália e França”, destaca o médico sanitarista. A epidemia no Brasil ainda está em uma fase de crescimento. As previsões de especialistas são de que o pico seja em julho, começando a cair apenas em agosto. Mas países que adotaram uma política de isolamento mais rigorosa mostraram que foi possível salvar mais vidas.
A variedade das estatísticas noticiadas durante a pandemia é grande e “pode até se tornar um pouco confusa”, mas o especialista da Fiocruz destaca que todo dado pode ser útil dependendo da intenção analítica. “Em meio a uma epidemia, o tempo é adversário para uma comparação rígida. Ainda assim, a média de mortes de covid-19 proporcional a populações de Dinamarca, Noruega e Finlândia, que adotaram medidas de isolamento rígidas, em comparação à média da Suécia, por exemplo, que adotou estratégia oposta no início da epidemia, foi fundamental para a decisão de políticas (de distanciamento) introduzidas por outros países”, exemplifica Buss, defendendo a adoção de planos de controle de movimentação social mais efetivos do que os atuais”.
"Nós, no Brasil, estamos em tempos diferentes de disseminação do vírus, com, pelo menos, 15 a 20 dias atrasados em relação a Espanha, Itália e França”
Paulo Buss, médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e doutor em ciências pela USP