Em meio às incertezas trazidas pelo novo coronavírus, o cuidado à saúde mental surge como necessidade e reflete na busca por atendimento psicológico pela internet, que aumentou em todo o país. A maior demanda vem acompanhada do desafio em prestar o serviço e garantir o sigilo tal como em terapias presenciais.
Durante a pandemia, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) registrou, somente entre março e abril deste ano, 51.747 novos pedidos para que psicólogos trabalhem virtualmente. Esse número é superior a todas as solicitações já feitas na história: 30.677 cadastros até fevereiro. Só durante a pandemia foram autorizados 39.510 novos cadastros de profissionais. Desde 2018, o conselho exige a formalização na plataforma e-Psi para poder fiscalizar os trabalhos, de maneira a garantir sigilo, proteção e confidencialidade. Em 26 de março, um mês após o surgimento do primeiro caso do coronavírus no Brasil, uma nova resolução do CFP reforçou o cumprimento do Código de Ética Profissional da categoria e o cadastro prévio no e-Psi como prerrogativas para o atendimento de forma remota.
Acostumada com os encontros presenciais de terapia, a professora Gabriela Rúbia, moradora de Belo Horizonte, precisou começar a encontrar a psicóloga em um ambiente virtual. “A gente vive um paradoxo, quando estamos na nossa rotina desenfreada de capital, ficamos arranjando inúmeras desculpas para não realizar o autocuidado por falta de tempo. E agora, ao conseguir manter as sessões, a terapia tem me ajudado a enxergar um caminho para o autoconhecimento, reformular questões antigas e pensar novas.”
Se por um lado ela encara como positiva a experiência por não precisar sair de casa, esse mesmo fator é um dos pontos de receio. “Por mais que tenha praticidade e comodidade de não ter que ir até o consultório, fico com medo de que minha família, estando perto, possa estar escutando o que eu vou trabalhando com a terapeuta”, pondera Gabriela.
Efeitos mais perigosos, contudo, podem surgir a partir da combinação da ausência de um ambiente neutro ao se atrelar as consultas ao uso de plataformas não preparadas para lidar com esse tipo de sigilo. “Com as medidas de isolamento, muitos psicólogos passaram a buscar alternativas para fazer o atendimento de casa e começaram a usar ferramentas gratuitas, como Skype e WhatsApp. Sem nenhum tipo de garantia de confidencialidade. Esses aplicativos podem ter vazamento de dados e isso expõe o paciente. Foi o que aconteceu com o Zoom, que acabou sendo bloqueado pela Anvisa justamente por isso”, explica o psicólogo Elias Balthazar.
Balthazar é fundador da Terapia de Bolso, plataforma de atendimento por vídeo. A empresa quintuplicou o número de atendimentos virtuais no período de quarentena e aumentou em 300% o número de profissionais cadastrados. Já a busca de psicólogos interessados em realizar atendimentos seguros e à distância aumentou 11 vezes.
Por meio do portal, é possível escolher a especialidade do profissional e o horário do atendimento. Usuária do serviço há dois anos, a estudante Daniela Nasciutt encontrou no canal on-line uma forma de manter a terapia e se expressar em português após se mudar para Califórnia (EUA). “Apesar de ser fluente em inglês, eu sinto que poder me expressar na língua materna e ter uma terapeuta familiarizada com minha cultura faz com que eu me sinta abraçada e compreendida, faz total diferença para mim”, explica.
Orientações
Para facilitar essa migração de consulta não só para o paciente, mas também para o profissional, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) viu a necessidade de formar um grupo de trabalho para a construção de orientações à categoria, nos domínios do ensino de avaliação psicológica, desenvolvimento e utilização de instrumentos na modalidade on-line e remota. Estas diretrizes, no âmbito da covid, ainda estão sendo debatidas pela entidade, que deve emitir uma orientação, focada na situação emergencial de saúde, tal como fez o Conselho Federal de Medicina (CFM).