Brasil

Pandemia se alastra em presídios

Número de encarcerados com a doença já passa de mil e segue crescendo em meio a celas superlotadas e falta de condições de higiene adequadas. Enquanto isso, suspensão de visitas, principal medida para manter a saúde dos presos, aumenta risco de rebeliões

Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 04:28
Situação precária na Penitenciária de Planaltina: o Centro-Oeste é a região com maior incidência de infectados no país


O coronavírus é mais um ingrediente perigoso a aumentar o chiado de alerta da panela de pressão do sistema prisional brasileiro. O seu maior perigo, apontam especialistas, é o poder que tem para reagir de forma explosiva às demais fragilidades das cadeias superlotadas, somadas a critérios de higiene e distanciamento incompatíveis com o comportamento preventivo. E embora avance mais lentamente do lado de dentro dos muros farpados das instituições, tal como quem está fora, os internos não têm anticorpos para lidar com a doença. Além disso, se a parcela de idosos é pequena, a população carcerária do Brasil conta com alto índice de pacientes com tuberculose, HIV e sífilis, cerca de 250 mil. E a restrição de visitas, principal medida para manter a saúde dessas pessoas, pode ser catalisador para rebeliões.

A segunda principal medida são as aplicações de testes, recomendadas em todo o mundo como forma de conter o coronavírus: foram ministrados mais de 2,1 mil. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, indica que, até dezembro de 2019, o sistema prisional brasileiro contava com 755.274 presos para 442.349 vagas. São 312.925 detentos acima do limite do sistema. Até sexta-feira, segundo balanço do Depen, eram 1.079 infectados, 670 casos suspeitos e 34 mortes. A primeira morte ocorreu em 17 de abril. Um homem de 73 anos preso em uma unidade para idosos, o Instituto Penal Cândido Mendes, no centro do Rio de Janeiro. Mas, entre as vítimas, também está um detento de 29 anos.

Por região, graças ao Distrito Federal, o Centro-Oeste é a região com maior incidência. A capital federal concentra mais da metade do total de infectados no país, com 608 diagnósticos positivos e uma morte. O Sudeste concentra o maior número de mortos: 20 no total. A região Sul é a que tem menor incidência do coronavírus em presídios, com seis detecções.

Para demonstrar o risco de infecção em presídios, a doutora em ciências sociais e especialista em política criminal comparada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Cristina Zackseski destaca que o número de presos com diagnóstico positivo na Papuda cresceu rapidamente. “Há um mês um interno estava infectado no DF, hoje são mais de 200”. Ela sugere, para reduzir o risco de rebelião, que presos mantenham contato por com parentes por telefone e videoconferência. Também professora da UnB, a especialista em segurança pública e justiça criminal Haydée Caruso fala em um cenário desastroso para os presídios. “O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem feito uma discussão importante sobre o assunto, recomendando que as pessoas que tenham idade avançada sejam colocadas em regime domiciliar. Isso já está acontecendo em algumas unidades, mas não com todos os presos em grupo de risco. Não se trata de ver quem tem que cumprir mais ou menos anos de pena. É questão humanitária e civilizatória, e temos que pensar não só nos internos, mas também nos agentes penitenciário”, coloca a socióloga.

Dados
Ela destaca o perigo de agentes levarem o vírus para dentro do sistema. “O CNJ tem discutido, produzido notas técnicas, falando da urgência de uma tomada de decisão. A cada dia o cenário fica pior. Já temos vários agentes infectados. E agora, começa a morte entre os internos. Há rumores de rebeliões dentro do sistema. Só que não podemos demorar para tomar decisões. O mais importante é a união de estados e governo federal em torno de ações de combate ao vírus dentro do sistema penitenciário. Ou vamos ter muitos corpos. Fora do sistema já é uma questão, mas falamos de um contexto adverso em que eles já estão em situação precária”, alerta.

A favor do combate, o Brasil tem os dados do sistema prisional, que são atualizados e seguros. Para a estudiosa, é importante que o governo utilize esses dados. A princípio é o que está acontecendo, já que o Depen disponibiliza tanto os números do avanço do vírus quanto os de superlotação. A sugestão do Conselho Nacional de Justiça de liberação de parte dos presos mais velhos para cumprirem a pena em regime domiciliar, no entanto, foi motivo de crítica por parte do governo. “O diagnóstico está pronto, está feito, e temos  expertise, nos estados, de quem trabalha com o tema. O que a gente precisa são de coordenadas e tomada de decisão em um tempo que é o do ontem”, aponta Haydée.

“As rebeliões são um temor. Já temos muitos problemas para resolver. E tudo que a gente não precisa nesse momento é ter uma explosão de rebeliões. O que os gestores puderem fazer para minimizar, como o sistema nacional de inteligência, monitoração em tempo real e mediação de conflitos. Diante da gravidade da pandemia, temos que diminuir essas possibilidades”, destaca.


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