Brasil

Isolamento como arma



Doutor em políticas públicas pela George Washington University e especialista em segurança pública, George Felipe de Lima Dantas ressalta que conta a favor do sistema prisional o fato de os presos já estarem isolados. “A palavra de ordem é distanciamento social e quarentena. Intuitivamente, tendo essa noção, quem está em qualquer ambiente isolado está mais seguro e mais distante da contaminação. A questão específica do sistema prisional é a superlotação crônica. Precisamos entender que estar apartado é bom, incluindo os presos. Mas, quando esse apartado vem com problemas crônicos de superlotação, as coisas ficam diferenciadas do que deviam ser”, pondera. “Daí a lógica do cuidado em não receber visitas. Não receber potenciais vetores que contaminariam um sistema que é fechado”, completa.

Ele defende que o Ministério da Justiça tem agido para evitar a proliferação do coronavírus E se mostra pragmático, mas otimista. “Ninguém acerta tudo e ninguém erra tudo. Vai ter um lado que não vai ser 100%.” Para o especialista, a idade dos presos também amenizará os riscos. “É um sistema nacional com investimento precário. A doença da covid-19, você tem faixas etárias imunes, pelo contágio de não expressão. E preso, estatisticamente, é um homem jovem do sexo masculino. Preso mulher e idosa não é regra, por exemplo. Tem que estabelecer bem o diferencial para ver o que tem de ruim e o que tem de bom. Um fator muito adverso é um preso idoso”, afirma.

Critério sanitário
Dantas aponta, como dificuldade, por outro lado, a necessidade de rápida mudança de paradigma na percepção dos presos dentro do sistema. “Tem um critério que é o da lei de execuções penais. Não é um critério sanitário. Vejo um fator adverso, a uma política nesse momento. A lei de execuções penais tem que valer sempre. Mas a política do critério sanitário não é exatamente o critério de execuções penais. E será aplicada à luz da lei de execuções penais. E temos enfrentado a falta de norma para esse momento que a humanidade vive. Talvez, à luz de um critério que está apenas emergindo, que é o dos grupos de risco, devesse passar no Congresso uma legislação específica para a semiliberdade. E outro problema é que muitos presos não têm para onde voltar. Alguns não têm família, não têm para onde ir. Se o mercado de trabalho não é mais favorável para os que estão soltos, imagine para os apenados. É uma questão dinâmica, de grande complexidade. Estamos conhecendo o vírus e ele está nos conhecendo agora.”



Três perguntas para

Cristina Zackseski, professora da Faculdade de Direito da UnB,
doutora em ciências sociais e especialista em política criminal comparada

Quais são os principais desafios do sistema na visão da senhora, tendo em vista a pandemia do coronavírus? Como a crise sanitária ressaltou as fraquezas do sistema prisional brasileiro?
As características do sistema prisional brasileiro são incompatíveis com padrões mínimos de gestão. Depois da Recomendação 62 do CNJ, a mídia noticiou que 30 mil presos foram liberados. Mas se isso for verdade, ainda faltam 260 mil (ou mais) para conseguirmos ficar dentro do limite de vagas, e isso, obviamente, não garante higiene e prevenção de contágio. Não há espaço físico compatível com critérios de higiene e distanciamento requeridos (dois metros). Além disso, há o problema do contágio além dos muros, pois 83.604 servidores entram e saem das prisões brasileiras todos os dias.

A epidemia traz risco de rebelião no sistema, tendo em vista tanto a saúde dos presos quanto a proibição de visitas, por exemplo? Como lidar com os presos nesse momento?
Sim. Há possibilidade de rebeliões. Os presos devem ter acesso a ligações telefônicas e/ou videoconferência. Eles precisam ver e ouvir os familiares e vice-versa. Na Catalunha, foi a primeira coisa que o sistema prisional providenciou quando a pandemia começou, só para citar um exemplo que se repetiu e se repete em outros países e regiões.

Como a senhora vê o argumento de que os presos estão mais seguros contra o vírus por estarem isolados do resto da sociedade? E o argumento de que, em sua maioria, são jovens e, por isso, correm menos risco?
Os números da evolução dos casos na Papuda mostram que este argumento não é verdadeiro. Há um mês, um interno estava infectado no DF, hoje são centenas. A estimativa antes da pandemia era de que já havia 250 mil presos com alguma doença (tuberculose, HIV, sífilis, sarna) no sistema penal brasileiro. E o grupo de risco do coronavírus é composto por: idosos, hipertensos, diabéticos, portadores de doenças crônicas, gestantes e lactantes, pacientes com câncer e cardíacos. As gestantes e lactantes foram liberadas? É preciso lembrar que a pena não pode atingir os direitos que não estejam relacionados à privação de liberdade. A saúde, a vida e também a comunicação são direitos que devem ser protegidos neste momento.