A norma do Conselho Federal de Medicina, conhecida como Resolução da Telemedicina, publicada no Diário Oficial da União no início deste ano e, logo depois, sustentada pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, surgiu com a finalidade de regulamentar e operacionalizar medidas de enfrentamento emergencial visando à saúde pública, tendo em vista evitar a propagação do novo coronavírus.
Em carta publicada em abril deste ano, a Associação Médica Brasileira (AMB) afirmou que “acredita que a incorporação de novas tecnologias à medicina é um caminho sem volta e que esse avanço pode ser muito positivo, desde que disciplinado por diretrizes responsáveis, com foco no fortalecimento da relação médico-paciente”.
Com a proporção de indivíduos contaminados no Brasil e em vários países pela covid-19, a telemedicina e teleconsulta ganharam holofotes e estão gerando debates, envolvendo a classe médica e suas entidades representativas, que discutem se as novas formas de relacionamento representam avanços necessários e inevitáveis para a medicina contemporânea, ou se configuram como perigosas e um retrocesso, com consequências para a relação médico-paciente.
“Em nosso país, na última década houve grande evolução da telemedicina que recebeu incentivo governamental, possibilitando a formação de núcleos de pesquisa em várias universidades. Seguramente, a telemedicina se tornará grande aliada do médico, disponibilizando recursos tecnológicos que permitirão ao profissional oferecer ao paciente um diagnóstico e uma terapêutica mais precisa e eficaz”, avalia o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, o médico Geraldo Faria, que assumiu o cargo no início do ano.
A Resolução nº 2.227/18, do CFM, define a telemedicina como o exercício da medicina, mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças, lesões e promoção da saúde. Também estabelece que ela pode ser síncrona (quando realizada em tempo real) ou assíncrona (atendimento off-line), indicando uma série de possibilidades de atendimento a distância, como a teleconsulta, o telediagnóstico, a telecirurgia, a teletriagem, a teleorientação, a teleconsultoria e o telemonitoramento.
Segundo o documento, a teleconsulta é a consulta médica remota, mediada por tecnologias, com médico e paciente localizados em diferentes espaços geográficos. A teleconsulta subentende, como premissa obrigatória, o prévio estabelecimento de uma relação presencial entre médico e paciente. Nos atendimentos por longo tempo ou de doenças crônicas, é recomendada consulta presencial em intervalos não superiores a 120 dias.
O telediagnóstico é a transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer por médico com Registro de Qualificação de Especialista na área relacionada ao procedimento. A telecirurgia é definida como a realização de procedimento cirúrgico remoto, mediado por tecnologias interativas seguras, com médico executor e equipamento robótico em espaços físicos distintos.
A norma estabelece ainda que o procedimento deve ser realizado em locais com infraestrutura adequada e que além do cirurgião remoto, um especialista local deve acompanhar o procedimento para realizar, se necessário, a manipulação instrumental.
Já a teletriagem médica é o ato realizado a distância por um médico, para avaliação dos sintomas e posterior direcionamento do paciente ao tipo adequado de assistência. A teleorientação é definida como o preenchimento a distância, pelo médico, de declaração de saúde para a contratação ou adesão a plano privado de assistência à saúde.
A teleconsultoria é o ato de consultoria mediada por tecnologia entre médicos e gestores, profissionais e trabalhadores da área da saúde, com a finalidade de esclarecer dúvidas sobre procedimentos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho.
O telemonitoramento, de acordo com a resolução, é a ação realizada sob orientação e supervisão médica para monitoramento a distância de parâmetros de saúde ou doença, por meio de aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos ou dispositivos agregados ou implantáveis no paciente.
Na avaliação do médico Geraldo Faria, entre todas essas modalidades mediadas pelas novas tecnologias, a mais polêmica é a teleconsulta, definida como a consulta médica remota, quando o médico e o paciente estão localizados em diferentes espaços geográficos.
Na opinião do urologista, a teleconsulta ainda é uma questão em debate. “Precisa ser analisada com temperança, pois não contempla aspectos fundamentais da relação médico-paciente, caracterizados pela presença física das partes, do olho noolho, do exame clínico e, principalmente, do apoio e conforto psicológico que, no momento da consulta, nós médicos podemos oferecer aos pacientes fragilizados e a seus familiares”.
Opinião semelhante tem o cirurgião oncológico Ademar Lopes do Hospital A.C. Camargo Cancer Center. Para ele, por mais desenvolvida que seja, nenhuma tecnologia conseguirá reproduzir essas ações. “A medicina virtual dificilmente conseguirá ser tão completa quanto a consulta presencial”.
História da telemedicina
A história da telemedicina é antiga, explica Geraldo Faria. “A invenção do estetoscópio eletrônico em 1910 remonta a um passado antigo, porém muito presente. Acoplado a amplificadores, receptores e repetidores, conseguia transmitir sinais por cerca de 50 milhas. A partir do século 19, com a criação do telégrafo e da telegrafia, o uso da medicina a distância aumentou de forma significativa, permitindo o envio de laudos radiográficos entre locais diferentes”.
No fim do século 19, a popularização da telefonia resultou na criação de redes de transferência de dados, facilitando a transmissão de sinais gráficos como eletrocardiogramas, permitindo o compartilhamento dos resultados entre vários profissionais. “Nos tempos contemporâneos, a telemedicina tem ajudado na assistência aos astronautas em órbita na estação espacial, por meio do envio de sinais como pressão arterial, ritmo respiratório, eletrocardiograma, temperatura corpórea entre outros”, afirmou o médico.
Esses sinais, enviados para os controles na Terra, são monitorados por médicos que podem, a partir das informações, adotar condutas clínicas. “E a telecirurgia que vem ganhando cada vez mais espaço, foi também incluída na Resolução do CFM e definida como procedimento feito por um robô, manipulado por um cirurgião a distância, desde que, ao lado do paciente, esteja um médico com a mesma habilitação do cirurgião remoto”, disse Faria.
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