O ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), criticou duramente a atuação do presidente Jair Bolsonaro à frente da crise do novo coronarívus, ao rejeitar, ontem, um habeas corpus apresentado contra o isolamento social em Pernambuco. O magistrado afirmou que, tirando o Brasil e os Estados Unidos, talvez em nenhum outro país “o líder nacional se coloque, ostensiva e irresponsavelmente, em linha de oposição às orientações científicas de seus próprios órgãos sanitários e da Organização Mundial de Saúde”.
“Em nenhum país, pelo que se sabe, ministros responsáveis pela pasta da Saúde são demitidos por não se ajustarem à opinião pessoal do governante máximo da nação e por não aceitarem, portanto, ser dirigidos por crenças e palpites que confrontam o que a generalidade dos demais países vem fazendo na tentativa de conter o avanço dessa avassaladora pandemia”, anotou Schietti.
Com o habeas corpus coletivo submetido ao STJ, a deputada estadual Erica Clarissa Borba Cordeiro de Moura (PSC-PE) pretendia a concessão de salvo-conduto para que os cidadãos de Pernambuco pudessem circular livremente, apesar do Decreto Estadual 49.017, do último dia 11, que intensificou as medidas de restrição à movimentação de pessoas para combater a pandemia do novo coronavírus.
Inviabilidade jurídica
Em sua decisão, Schietti, relator do processo, citou jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) para concluir que o habeas corpus “não é cabível contra ato de caráter normativo, para discussão de lei em tese e situações gerais e abstratas, nem é sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, sob pena de grave deformação do instituto e inaceitável desvio de sua função”.
Conforme salientou, além de não ter viabilidade jurídica, o pedido da deputada “parece ignorar o que acontece, atualmente, em nosso país”. Mencionando os números de vítimas fatais da pandemia — que ontem romperam a marca de 18 mil mortos —, Schietti ressaltou que Pernambuco é o segundo estado mais afetado do Nordeste.
Medidas mais drásticas de prevenção, de acordo com o ministro, foram adotadas em diversos países, diante do agravamento da crise sanitária, que já produziu mais de 4,7 milhões de casos da covid-19 no mundo todo.
Ao falar sobre a expectativa de agravamento da situação no Brasil, Schietti voltou a criticar a postura de Bolsonaro durante a crise sanitária. Segundo ele, “boa parte dessa realidade se pode creditar ao comportamento de quem, em um momento como este, deveria deixar de lado suas opiniões pessoais, seus antagonismos políticos, suas questões familiares e suas desavenças ideológicas, em prol da construção de uma unidade nacional”.
“O recado transmitido é, todavia, de confronto, de desprezo à ciência e às instituições e pessoas que se dedicam à pesquisa, de silêncio ou até de pilhéria diante de tragédias diárias. É a reprodução de uma espécie de necropolítica, de uma violência sistêmica, que se associa à já vergonhosa violência física, direta (que nos situa em patamares ignominiosos no cenário mundial), e à violência ideológica, mais silenciosa, porém igualmente perversa, e que se expressa nas manifestações de racismo, de misoginia, de discriminação sexual e intolerância a grupos minoritários”, afirmou o ministro.