A crise afeta de grandes empresários do setor hoteleiro aos pequenos prestadores de serviço, como guias turísticos autônomos, vendedores de artesanato e artesãos, passando pelos donos de restaurantes, bares e lanchonetes e os funcionários deles, pois museus e igrejas estão fechados há dois meses. Para completar, as aulas estão suspensas, inclusive na Universidade Federal local (Ufop), e a maioria dos alunos retornou para as cidades de origem, também contribuindo para a diminuição da demanda por bens e serviços.
“Nossa classe foi a primeira a ser atingida, pois as pessoas imediatamente pararam de viajar”, afirma Matheus Costa, dono da Desbrava Minas, que guia turistas tanto pela sede quanto por distritos de Ouro Preto, como Lavras Novas, Chapada e São Bartolomeu, onde a beleza natural é grande atrativo. “O movimento caiu uns 70% e não há perspectiva de melhora a curto e médio prazo”, diz o taxista especializado em city tours pelas ruas históricas Danilo Magalhães.
A pandemia seria ruim em qualquer época, mas afetou a cidade especialmente por ter ocorrido em abril e maio, quando há grande quantidade de feriados: somando semana santa, Dia de Tiradentes e Dia do Trabalho, foram 11 dias de grande potencial turístico perdidos. “Investi quase todo o dinheiro que tinha comprando mercadorias, fazendo estoque para negociar nos feriados prolongados. Ninguém poderia imaginar que ia vir esse vírus fechando tudo, provocando o paradeiro geral. Não só eu, mas todos aqui estão em grande dificuldade”, afirma a comerciante Shirley Leverecht Bauer, que há 25 anos trabalha na tradicional Feira de Artesanato do Largo de Coimbra, conhecida como Feirinha de Pedra-sabão, próxima da Igreja de São Francisco de Assis e da Praça Tiradentes.
Ela chama a atenção para o fato de não ser só na “ponta” do comércio que há pessoas prejudicadas pela crise. Os artesãos do distrito de Santa Rita que produzem as peças que ela vende também estão sem renda, pois não há demanda, assim com os que trabalham com prata em Santo Antônio do Leite ou os fornecedores de pedras preciosas para joias, que, segundo a comerciante, “estão desesperados” devido aos altos valores que seus negócios envolvem.
Outra comerciante, Cláudia Silva, chegou a buscar alternativas de vendas na internet. Porém, esbarra na questão do frete. “Uma cliente me ligou encomendando dois aneis, que custavam R$ 35. Mas ficou quase o mesmo valor para despachar. Felizmente, ela aceitou pagar”, explica ela.
Só na feirinha do Largo de Coimbra estima-se que 188 pessoas estejam sem trabalho e, consequentemente, sem rendimentos. “Quem é dono de banca ainda tem uma condição melhor, mas quem é empregado vive de porcentagem das vendas...”, diz Shirley.
Para tentar aliviar a situação, as autoridades vêm adotando algumas medidas paliativas, como a distribuição de cestas básicas a famílias de alunos carentes da rede municipal de ensino. Muitos reclamam, porém, que os recursos não chegam a quem precisa.
“Por ter um filho matriculado em escola do município, fiz o cadastro no dia 14 de abril, mas até hoje não recebi nada. Ainda bem que tenho amigos para me ajudar, minha casa tem quintal onde planto legumes, verduras, hortaliças e frutas. Se não fosse isso, já teríamos passado fome”, afirma Shirley, que esperava melhor atendimento inclusive em projetos do governo federal. “Eles querem que um analfabeto use aplicativo de celular. Como? A pessoa não sabe nem ler, quanto mais acessar internet.”
Já no caso dos guias, há travas legais dificultando o recebimento do auxílio emergencial de R$ 600. “Por vários motivos, muitos não estão se encaixando no que determina o governo. Então, por mais que as cestas básicas sejam importantes, as pessoas não precisam só de comida. Um guia é quem faz a propaganda do município e para isso um telefone celular é importantíssimo”, argumenta Matheus.
Para tentar ajudar, ele procurou a Prefeitura de Ouro Preto sugerindo a criação de um auxílio específico para os guias, baseado em projeto de lei em tramitação em São Paulo. A iniciativa foi encaminhada a um deputado estadual e prevê autorização para que o governo de Minas pague um salário mínimo a quem não consegue desempenhar as atividades em função da pandemia. Outra proposta, que já teria sido avalizada pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, é uma linha de crédito com jutos baixos e prazo de carência para os profissionais do setor.
Porém, a demora inerente aos trâmites legais desanima muitos. “Falta maior compreendimento de todos os setores envolvidos. A nossa sorte é o poder de nossa história e do nosso patrimônio. Eles falam mais que qualquer ação do homem”, argumenta o artista plástico Geraldo Zuzu, que também sofre com os efeitos da pandemia.
Cidade reforça estrutura
Nem o fato de contar com números que podem ser considerados bons nesta pandemia de covid-19 permitiu que a Prefeitura de Ouro Preto relaxasse. Depois de o município, que é patrimônio da humanidade, ser um dos primeiros a entregar hospital de campanha específico para infectados pelo novo coronavírus, o Executivo requisitou galpão de uma indústria metalúrgica para transformá-lo em centro de transporte e logística da saúde. O local fica bem em frente da área onde está sendo construída a nova Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), cuja inauguração a administração municipal está tentando antecipar para desafogar outras unidades.
“Hospital de campanha dedicado apenas aos casos suspeitos de covid-19 ajuda a conter o vírus. Também dobramos a número de CTI’s na Santa Casa, para 20 leitos e compramos duas UTI’s móveis. Também é importante destacar que a população tem colaborado bastante para não sobrecarregar o sistema de saúde”, afirma o prefeito Júlio Ernesto de Grammont Machado de Araújo, o Júlio Pimenta.
Se tudo continuar correndo bem, ele espera não ter de lançar mão de novas restrições às atividades econômicas e à circulação de pessoas. Desde 22 de março, locais de aglomeração de pessoas, como escolas, feiras livres, museus, academias de ginástica, shows e shoppings centers estão fechados. Porém, outros, como salões de beleza e barbearias, foram autorizados a voltar funcionar, desde que respeitem normais rígidas de higiene e circulação. Ontem, foi possível ver que restaurantes só estão atendendo no sistema de entrega. Já lojas de joias e bijuterias estavam abertas, ainda que com avisos aos clientes e álcool em gel disponível.
Polêmica em torno da morte
O primeiro óbito registrado em Ouro Preto foi cercado de alguma polêmica. A vítima, um homem de 46 anos, teria engasgado enquanto jantava, sábado, com o irmão, no distrito de Antônio Pereira, que fica mais próximo de Mariana, para onde foi levado.
Como apresentou quadro de falta de ar ao dar entrada na unidade de saúde, foi feito o teste rápido de infecção pelo novo coronavírus, que deu positivo. Porém, a certeza só viria se fosse realizado exame mais aprofundado, feito pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), o que não foi possível devido à recomendação de enterro rápido das vítimas da covid-19.
As autoridades sanitárias de Ouro Preto evitam questionar o procedimento na cidade vizinha ou mesmo colocar em dúvida os motivos do óbito. O certo é que todos os familiares do homem morto no sábado foram testados e nenhum está infectado pelo novo coronavírus.
A expectativa é que a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) comece a realizar os testes mais conclusivos. Para isso, aguarda o envido de reagentes pela Funed, o que deve ocorrer ainda esta semana.
Até ontem, a prefeitura divulgou a notificação de 121 casos de covid-19 no município, sendo 114 descartados e seis em investigação, além do óbito. Dois pacientes estão internados na Santa Casa (alta complexidade) e um no hospital de campanha (para casos de baixa e média complexidade. (PG)
Para manter os bons números, a prefeitura lançou apelo aos turistas. “Visite Ouro Preto depois” e “Não cancele sua viagem, remarque” são duas campanhas que vêm sendo divulgadas e valem tanto para a sede quanto para os distritos. (PG)
São Tomé de portas fechadas
[SAIBAMAIS]A mística cidade de São Tomé das Letras, na Região Sul de Minas, completou ontem dois meses de completo fechamento ao turismo e vai prorrogar as severas restrições por mais um mês. É o que diz o decreto assinado pelo prefeito Tomé Reis Alvarenga. Conforme o documento do Executivo municipal, poderão ficar abertos apenas supermercados e farmácias. De acordo com informações da prefeitura local, São Tomé das Letras não registrou nenhum caso do novo coronavírus, daí a necessidade de aumentar o distanciando social, já que hospital mais próximo fica em Três Corações. Com cerca de 7 mil habitantes e distante 300 quilômetros de Belo Horizonte, São Tomé das Letras tem 70% da sua receita baseada no turismo, ficando o restante a cargo da mineração. Recebendo visitantes de vários estados, a cidade oferece em torno de 150 hotéis e campings, com alta temporada nas férias escolares e no verão.