A Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) divulgou nesta segunda-feira, 18, um parecer cientÃfico contrário ao uso, neste momento, da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. O comitê cientÃfico e a diretoria da entidade afirmam que é "precoce" recomendar os dois medicamentos para pacientes do novo coronavÃrus, pois "diferentes estudos mostram não haver benefÃcios" e pelos possÃveis efeitos adversos graves.
"A SBI fortemente recomenda que sejam aguardados os resultados dos estudos randomizados multicêntricos em andamento, incluindo o estudo coordenado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), para obter uma melhor conclusão quanto à real eficácia da hidroxicloroquina e suas associações para o tratamento da covid-19", diz o parecer.
A entidade ressalta que são necessários estudos com maior abrangência amostral e feitos de forma randômica (em que os pacientes são escolhidos aleatoriamente e apenas metade recebe o tratamento, a fim de comparação). "A escolha desta terapia, ou mesmo a conotação que a covid-19 é uma doença de fácil tratamento, vem na contramão de toda a experiência mundial e cientÃfica com esta pandemia."
O parecer cientÃfico diz, ainda, que o posicionamento em defesa do amplo uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 é "perigoso" e "tomou um aspecto polÃtico inesperado". "Nenhum cientista é contra qualquer tipo de tratamento, somos todos a favor de encontrar o melhor tratamento possÃvel, mas sempre com bases em evidências cientÃficas sólidas."
O texto foi divulgado após o comitê cientÃfico da SBI analisar os estudos sobre os efeitos dos dois medicamentos para a covid-19. Ele lembra, por exemplo, que uma das primeiras pesquisas com essa proposta terapêutica - que envolvia o uso associado da hidroxicloroquina à azitromicina - era focada em 36 pacientes, o que seria uma "amostragem pequena e sem grupo de controle para comprovar qualquer resultado definitivo".
Além disso, são lembrados outros estudos mais abrangentes, como um que avaliou 1.438 casos confirmados da doença em 25 hospitais, divididos em quatro grupos de tratamento. Nessa pesquisa, foi identificada uma "maior incidência de falência cardÃaca" entre as pessoas que tomaram hidroxicloroquina e azitromicina, além de não ter sido identifica "nenhuma melhora significativa quanto à mortalidade" entre aqueles que receberam os dois fármacos associados ou separadamente.
Outro estudo destacado pelo parecer avaliou 1.376 pacientes, mas também não identificou diferenças entre os dois grupos (divididos entre os que tiveram e os que não tiveram acesso à hidroxicloroquina). "Entretanto os autores ressaltam que estudos randomizados são necessários para uma melhor conclusão quanto a eficácia dessa terapia", ressalta o texto.
Além disso, a entidade lembra de estudos voltados a pacientes em estado moderado da doença. Um deles envolveu 150 pacientes, divididos em grupos que tomaram e não tomaram hidroxicloroquina, que não tiverem diferença quanto à evolução da covid-19, embora parte tenha enfrentado efeitos adversos do fármaco. Situação semelhante se repetiu em uma pesquisa com 90 pacientes.
Investimentos
O parecer também ressalta a necessidade de investimento em pesquisas que procuram outras possibilidades terapêuticas e que, até o momento, o isolamento social é a melhor forma de conter a disseminação da doença. "Dados colhidos em vários paÃses do mundo mostram que esta é a única medida efetiva para desacelerar as curvas de crescimento dessa infecção."
"A avaliação de possÃveis novas terapias, assim como o reposicionamento de fármacos, têm sido alvo de intensa investigação cientÃfica, sendo uma das principais prioridades da comunidade cientÃfica mundial. Entretanto, deve ser ressaltado que até o momento não foi descrita nenhuma terapia efetiva para o tratamento da covid-19 que tenha bases sólidas com resultados cientificamente comprovados."
A entidade ainda cita o recente editorial da revista médica Lancet, que diz que o presidente Jair Bolsonaro é a principal ameaça ao combate à pandemia do novo coronavÃrus no Brasil. "Reforçamos que o engajamento da sociedade brasileira é fundamental para superar a grande crise sanitária que estamos vivendo e que a condução para as soluções devem ser fundamentadas em bases cientÃficas multidisciplinares sólidas, como uma polÃtica de Estado."
O parecer cientÃfico é assinado pelos 17 integrantes do comitê cientÃfico e pelos cinco diretores da SBI, presidida pelo cientista Ricardo Gazzinelli, pesquisador da Fiocruz e professor da UFMG.
Os medicamentos, usados originalmente contra malária e lúpus, foram aplicados no começo da pandemia em alguns poucos pacientes na China com resultado promissor, foram defendidos por um controverso cientista francês e pelos presidentes Donald Trump (que mudou de posicionamento posteriormente) e Jair Bolsonaro.