Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 07:00
Na América Latina, o Brasil é um dos países onde a pandemia avança de forma mais acelerada. Dados do último balanço do Ministério da Saúde apontam 15.633 mortes e 233.142 casos confirmados de novo coronavírus — em 24 horas, foram mais 816 óbitos registrados. E a maneira como o governo brasileiro vem lidando com a crise está gerando temor e críticas entre os pares vizinhos. Nem mesmo afinidades políticas, como a existente entre Paraguai e Brasil, impedem o fechamento das fronteiras. Situação que se repete com todas as divisas terrestres do país. Especialistas avaliam que as relações políticas estão sendo deixadas de lado neste momento em que a questão sanitária se mostra prioritária.
“O Paraguai, certamente, lamenta o fechamento das fronteiras, muitas delas com ligações fortes entre os dois países, com populações até bilíngues vivendo nelas. É uma situação realmente de desespero”, pontua o professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). O país vizinho registrou aumento do número de casos da covid-19 importados de São Paulo, onde muitos paraguaios viviam antes de retornarem ao país de origem com medo da pandemia.
“Não é uma hostilidade com os países, nem tem relação ideológica ou geopolítica. O que fundamenta a decisão de fechamento de fronteira são as precauções sanitárias e de saúde que vão de encontro às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, explica o especialista. Neste momento, cada país conta, praticamente, consigo mesmo. Ainda assim, Menezes pondera que o caminho adequado a se tomar seria justamente o da cooperação, como na União Europeia. “O Brasil já coordenou situações de conflito na América do Sul e tem condições de fazer isso agora, também, dado o parque industrial e a capacidade científica que tem por meio das universidades e das instituições de pesquisa”, sugere o professor da UnB. Para ele, “pelo fato de o Brasil ser o mais rico e com mais infraestrutura da região”, o melhor a se fazer seria compartilhar conhecimentos, informações e ações em relação à pandemia, além de manter intenso contato com países do Mercosul.
Números
Levando em consideração a proporção dos números em relação à quantidade de habitantes, o Brasil só fica atrás do Equador e do Peru, que também vivem um drama com a pandemia. O país equatoriano registrou média de 132,3 mortes por milhão de habitantes; seguido pelo Peru, com 65,8; e pelo Brasil, com 62,3. Os dados são do levantamento feito pelo site Giro Latino e foram atualizados na quarta-feira.
As condições do Brasil são diferentes daquelas observadas na maioria dos vizinhos. É um país com a metade da população de toda a América do Sul. “O Brasil foi submetido a uma pressão de introdução do vírus possivelmente maior do que a maioria dos demais países da América do Sul”, pontua Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
O especialista ressalta a qualidade do sistema de saúde brasileiro. “É muito melhor do que a dos demais países da América do Sul, tem uma vigilância bem estruturada e uma área de pesquisa bem sólida e robusta”, afirma. Mas, apesar disso, vive uma situação mais adversa do que a da maioria, com exceção de Equador e Peru. “A gente tinha mais riscos, mas tem muito mais condições de reação. Acho que a falta de governança tem levado a situação adversa que estamos enfrentando”, completa.
Hermanos preocupados
A Argentina foi um dos primeiros países sul-americanos a fechar as fronteiras e tomar medidas de isolamento social. Até ontem, o país somava 345 mortes e 6.973 infectados pela doença. Ao ser questionado sobre a conduta dos hermanos em relação à pandemia, o presidente Jair Bolsonaro levou a questão para o lado ideológico. “É só fazer a conta por milhão de habitantes. Vamos falar da Suécia? A Suécia não fechou. Pronto. Você está defendendo, com toda certeza. Entrou para ideologia, pegou um país que está caminhando para o socialismo, que é a Argentina”, respondeu Bolsonaro, esta semana.
O país registra, em média, 7,3 mortes de covid-19 por milhão de habitantes, sendo o 12º colocado no ranking da América Latina. Enquanto isso, o Brasil soma 62,3 mortes por milhão. O presidente argentino Alberto Fernández demonstrou preocupação com a situação brasileira. “Há muito transporte vindo do mercado de São Paulo. E, lá, o foco infeccioso é altíssimo. Parece que o governo não está encarando com a seriedade que o caso requer”, disse, ao jornal La Nación no início do mês.
O presidente da Colômbia, Iván Duque, reforçou a presença de militares na fronteira com o Brasil diante do temor do contágio pelo país vizinho. “Estamos em uma situação que pode se tornar crítica, dadas as diferenças que temos na abordagem do ponto de vista do controle epidemiológico, como é o caso no Brasil”, afirmou o mandatário em um programa oficial de televisão.
Enquanto o Brasil vive uma polarização entre governo federal e governadores e prefeitos, países como Argentina e Chile superaram as divergências políticas para assumir uma conduta padrão neste momento. “Na Argentina, apesar de ser muito polarizada politicamente, adotou-se um discurso único. Não percebemos ruídos internos a respeito de diretrizes de controle. Existe um consenso das lideranças do país e os resultados foram bons”, avalia Eliseu Alves Waldman, epideomologista da USP.
“No Chile, onde a pandemia surge em um momento de grande instabilidade, polarização interna, isso desaparece a partir do momento que você tem um problema muito mais sério. E mesmo no Uruguai, com um governo de tendência claramente conservadora, tem tido uma política consistente com as propostas da OMS”, completa.
Ranking da covid-19
Países da América Latina com mais mortes por milhão de habitantes
1º Equador – 132,3
2º Peru – 65,8
3º Brasil – 62,3
4º Panamá – 59,3
5º Porto Rico – 40,2
6º República Dominicana – 37,7
7º México – 32,7
8º Chile – 18,1
9º Honduras – 12,4
10º Bolívia – 12,2
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