Os reflexos da escalada da pandemia do novo coronavírus no Brasil não se limitam à falta de leitos de UTIs nos hospitais. Segundo as informações divulgadas no Portal de Transparência do Registro Civil, o número de pessoas que morreram em casa no país aumentou em mais de 3,7 mil casos, um crescimento médio de 15%. Primeiro estado a colapsar o sistema de saúde, o Amazonas é a unidade federativa que registrou o maior aumento do número de mortes em casa.
O salto no estado do Norte mais atingido pela covid-19 foi de 152% em relação ao mesmo período de 2019. Na sequência, vem o Rio de Janeiro, com crescimento de 43%; e Distrito Federal, 31,1%. A análise refere-se ao período de 16 de março, data da primeira morte pelo novo coronavírus no Brasil, até 30 de abril.
“Com a experiência que temos observado em outros países, principalmente os europeus, como Itália, Espanha e Reino Unido, vem se verificando um crescimento substancial nos óbitos ocorridos em âmbito não hospitalar”, destaca Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen).
Nas mortes domiciliares, a doença provocada pelo novo coronavírus matou 221 pessoas nos dois primeiros meses da pandemia no Brasil, segundo registros dos cartórios do país. Em compensação, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) provocou uma quantidade 11 vezes maior de óbitos neste ano se comparada à de 2019: de 10 para 110.
Já as mortes por causa indeterminada quase dobraram, passando de 391 para 604, o que pode apontar para uma subnotificação da covid-19, provocada por todas as dificuldades de atendimento nas unidades de saúde e da testagem insuficiente da população.
Ricardo Kreitchmann Filho, pneumologista pediátrico, explica que uma das características da covid-19 é a rápida evolução do quadro. “Muitas vezes, o paciente já está com a oxigenação do sangue diminuindo e a falta de ar ainda não apareceu, o paciente só está com a febre e a tosse. Em uma unidade de saúde, essa saturação é verificada e conseguimos ter uma noção se pode evoluir para um quadro grave.”
O médico explica que o ideal seria analisar cada caso individualmente, mas destaca que entre os fatores que contribuem para o aumento de mortes em domicílio estão os casos de pacientes que procuram por atendimento no início dos sintomas, são liberadas para voltar à casa, mas o quadro evolui rapidamente.
O aumento do número de pessoas que falecem em casa de um ano para outro se deve, entre outros fatores, às doenças respiratórias, mas não só à covid-19 e à Síndrome Respiratória Aguda Grave. Entre março e abril deste ano, elas foram responsáveis por 396 óbitos a mais do que em 2019, quando causaram 4.074 óbitos em domicílio.
“Apesar de outros vírus também poderem causar complicações a ponto de levar o paciente à internação na UTI ou mesmo a terem uma letalidade considerada alta, como o H1N1, esses agravamentos não eram tão frequentes quanto os vistos na pandemia de covid-19”, pontua o pneumologista Kreitchmann. "Antes da pandemia, apesar de serem quadros gravíssimos, eram mais raros de acontecer e a evolução não costumava ser tão rápida.”
Pessoas que morreram dentro de casa no Brasil entre 16 de março e 30 de abril
Mortes em casa (total)
Em 2019: 24.071
Em 2020: 27.691
Aumento de 15,4%
Mortes em casa por doenças respiratórias
Em 2019: 4.074 (sendo 10 por SRAG)
Em 2020: 4.470 (sendo 221 por covid-19 e 110 por SRAG)
Aumento de 9,8%
Mortes em casa por causa indeterminada:
Em 2019: 391
Em 2020: 604
Aumento de 54,5%
Estados com maior aumento de mortes em casa no Brasil (de 16 de março a 30 de abril)
Amazonas 152,8%
Rio de Janeiro 43%
Distrito Federal 31,1%
Pernambuco 26,2%
Paraná 23,9%
São Paulo 19,9%