O Ministério da Saúde recomendou, na última segunda-feira, a flexibilização do isolamento social em locais onde o número de casos confirmados do novo coronavírus não tenha impactado em mais de 50% a capacidade do sistema de saúde. A medida vale para municípios, estados e o Distrito Federal, e passa a valer a partir do dia 13. O objetivo da pasta é reestabelecer gradualmente a circulação de pessoas e promover o Distanciamento Social Seletivo (DSS). Nesse modelo de quarentena, só permaneceriam em isolamento pessoas pertencentes aos grupos de risco de agravamento em caso de infecção pela Covid-19.
Nos demais locais, onde o número de infectados impacta mais que 50% do sistema de saúde, o Distanciamento Social Ampliado (DAS), modelo adotado hoje, deve ser mantido até que haja suprimento de equipamentos hospitalares suficientes para realizar a transição para o DSS. De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Amazonas e Distrito Federal apresentam coeficiente de incidência de casos confirmados superior à média nacional, que é de 5,7 para cada 100 mil habitantes.
A medida, no entanto, não agrada a especialistas. Professor de epidemiologia da UnB, Walter Ramalho explica que os sistemas de saúde locais podem não ter sido afetados fortemente porque a pandemia não atingiu o ponto máximo. “Na maioria das vezes, o sistema não foi afetado porque a doença não chegou na completude. Nós temos um problema na infraestrutura do sistema de saúde. Na maioria dos municípios, temos uma sobrecarga nas enfermarias e UTIs. A média histórica de ocupação dos leitos de UTIs do Sistema Único de Saúde (SUS) é de 95%, e isso era antes do coronavírus. Agora, se nós temos esse cenários, como vamos afrouxar o isolamento social? Vamos evoluir rapidamente no contágio da Covid-19”, alerta.
Para Walter, do ponto de vista científico, não há motivo que justifique o afrouxamento. Ele critica o que considera uma tendência de descrença na ciência e acusa a medida do Ministério da Saúde de ser política. “Temos um Brasil em que há uma descrença da ciência, e isso é muito triste. Os países que mantinham regras mais frouxas, como Japão e Suécia, estão radicalizando para conter a doença. Nós estamos indo na contramão”, aponta.
A infectologista Eliana Bicudo também avalia que o momento ainda não é para a flexibilização. Para ela, a falta de um número expressivo de casos em alguns lugares é resultado da quarentena total. “Sabemos que os casos estão abaixo do que estávamos prevendo em alguns lugares. Isto significa que não sabemos se existem outros fatores que contribuíram, mas que o isolamento social funciona, e funciona bem. Acredito que este é o momento de se avaliar, testar as pessoas, fazer uma amostragem, tentar entender se em algumas localidades realmente pode flexibilizar. Se isso ocorrer, e o número de casos aumentar, preciso saber se terei leitos na UTI para eles, e assim acolher os pacientes”, explica.
Eliana cita o caso de Manaus, onde, segundo ela, as medidas de contenção foram adotadas de forma tardia porque o número de casos no início da pandemia era baixo. “Manaus agora está em colapso. Demoraram a tomar uma iniciativa porque ainda não havia casos, devido à incidência ser maior no Sudeste e no Centro-oeste. Agora, está sem leitos de UTI”, critica a infectologista, acrescentando que é cedo para pensar em felixibilizar as regras do isolamento.
*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi