As Américas e o mundo aprendem a combater a Covid-19 em tempo real. As incertezas deste cenário precisam ser superadas por meio de ações integradas para garantir a melhor resposta frente a pandemia. “É uma situação que está exigindo da sociedade como um todo, não só da área de saúde, uma resposta para um inimigo que a gente não esperava ter com tanta gravidade”, afirma Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS). O ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem sido uma das vozes de destaque em meio ao atual cenário de combate ao novo coronavírus, informando atualidades científicas e orientações oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS). O médico epidemiologista e sanitarista, que ocupou vários cargos de gestão no Sistema Único de Saúde (SUS), participou, ontem, de duas transmissões ao vivo pela internet, nas quais elucidou dúvidas e tratou temas referentes ao coronavírus e sobre como proceder nesse período de crise. E destacou que “a melhor maneira de proteger a comunidade é mostrar solidariedade”. O Correio selecionou os principais questionamentos e considerações feitas pelo especialista sobre ações, orientações e gargalos no enfrentamento ao coronavírus.
A ciência ainda está descobrindo o vírus?
Nós estamos aprendendo, é um vírus novo. O que nós sabemos já permite fazer muita coisa. Eu creio que o mundo está respondendo de maneira muito semelhante, com algumas exceções. A Opas é o braço da OMS nas Américas. O que nós estamos fazendo é propiciar plataformas eletrônicas para disseminação rápida de informações. Por exemplo, hoje temos todo um debate sobre medicamentos. Precisamos dizer, com toda franqueza, que não há ainda um medicamento capaz de reduzir a gravidade da Covid -19. Os estudos que foram publicados sobre a cloroquina, por exemplo, quando se faz uma revisão sistemática sobre eles, são absolutamente incapazes de provar que a cloroquina esteja fazendo com que os pacientes não morram, não evoluam para uma gravidade. O que a gente fez foi lançar um estudo internacional, o ensaio solidário, com a ideia de ter médicos de qualquer parte do mundo se conectando nesse estudo, que testa quatro alternativas de tratamento. Isso vai permitir que a gente tenha milhares de pacientes engajados na maneira certa.
Quanto tempo deve durar o distanciamento social?
As recomendações que fazemos têm de estar embasadas nas evidências científicas disponíveis. Não temos, até o momento, como oferecer esse tipo de evidência a partir dos países que já estão adotando as medidas de transição para vida normal. Então vamos recordar o porquê são necessárias as medidas de distanciamento social: para evitar que a velocidade de transmissão seja tão forte que os serviços de saúde, as unidades de terapia intensiva e os ventiladores não estejam disponíveis para as pessoas e se se produza mais morte. Então, países que passarem pelo período de transmissão mais forte, que vai variar em torno de 4 a 8 semanas, dependendo de cada local, e decidirem mudar um pouco as estratégias, adaptá-las, têm que observar bem qual é a dinâmica de transmissão que está ocorrendo no país e qual é a disponibilidade das camas de terapia intensiva, de ventiladores.
O que a Opas diz sobre o uso constante de máscaras?
As máscaras cirúrgicas e as máscaras especiais, que chamamos de N-95, devem ser preservadas para profissionais da saúde. As pessoas que estão com sintomas também devem utilizar as máscaras, além de adotar os outros cuidados como se isolar, estar com monitoramento. Os familiares que estão apoiando uma pessoa enferma devem utilizar as máscaras. Muitos países estão recomendando uso de máscaras de fabricação caseira com panos, telas. No entanto, não há evidência sobre se isso vai ter um reflexo importante na transmissão do vírus. Quando se faz essa recomendação, precisa haver um cuidado de dizer à população que essa ação não é uma bala mágica. Todos os outros cuidados de lavar bem as mãos, não estar em aglomerações, evitar contato com outras pessoas, proteger adequadamente quando se tosse e espirra, tudo isso continua sendo necessário seguir.
Qual é a atual situação do fundo diante do coronavírus?
Nós estávamos preparados para uma das duas situações: ou um vírus que tivesse muita velocidade de transmissão, mas uma letalidade baixa, como foi o vírus do H1N1; ou um vírus que tivesse mais letalidade, mas menos capacidade de disseminação, como eram dois primos desse Covid-19, o Sars e o Mers. A combinação dessas duas coisas num vírus efetivamente superou qualquer capacidade de preparação de muitos países. Vemos que mesmo países ricos e desenvolvidos, como a Itália, se viram diante de um pesadelo ao não tomarem as medidas de distanciamento social e prepararem os serviços de saúde. As UTIs lotadas, os equipamentos, como respiradores, ventiladores mecânicos, não estavam mais disponíveis para as pessoas que precisavam. Isso ocorreu também na Espanha, isso ocorreu no Equador, em Guayaquil. Então é uma situação que está exigindo da sociedade como um todo, não só da área de saúde, uma resposta para um inimigo que a gente não esperava ter com tanta gravidade. Aqui, nas Américas, a gente tem um certo mosaico de situações. Uns países com transmissão mais limitada, outros com a chamada transmissão comunitária disseminada. É uma situação muito desafiante, porque exige ações de saúde e exige também ações que chamamos de distanciamento social ou alguns falam em quarentena. São medidas que exigem uma adesão da sociedade.
Falta fortalecer os blocos, a comunicação entre países?
Teve país que decidiu, talvez precocemente, talvez exageradamente, cancelar todos os voos de todos os lugares do mundo. Como é que a gente manda as vacinas do programa de imunização para eles? Como mandamos doação dos equipamentos de proteção pessoal? No Caribe, os chefes fizeram uma reunião para responder de forma coordenada. Na América do Sul, nós sentimos falta desse tipo de mecanismo. Talvez pela polarização política na região, nós não temos um organismo de cooperação funcionando. É por isso que alguns presidentes contactaram a própria Opas para que a gente fizesse mais reuniões de ministros da América do Sul. Claro que cada país tem sua soberania e cada um tem uma realidade epidemiológica, mas precisa haver coordenação em questões como essa, de como atuar, como ter uma cadeia logística para garantir solidariedade. E solidariedade, aí, tem um nome específico: acesso equitativo aos produtos críticos para salvar vidas. Isso que estamos vendo no mundo hoje, nos Estados Unidos, na Turquia e na Europa, de segurar carga para outros países, é absolutamente inaceitável.