Doença pulmonar obstrutiva crônica. O nome pode soar estranho, mas acomete cerca de 6 milhões de brasileiros. Conhecida pela sigla DPOC, a enfermidade tem apenas 12% dos doentes no país diagnosticados e causa preocupação entre médicos. Quem tem a doença, está no grupo de risco do novo coronavírus — ou seja, é mais suscetível a desenvolver um quadro grave da Covid-19. A maioria, porém, sequer sabe do quadro clínico.
A DPOC nada mais é que a bronquite crônica ou enfisema pulmonar crônico - são essas as doenças mais comuns que a compõem. Ela é tratável, mas irreversível, e 85% dos casos são em pessoas que já fumaram ou ainda fumam. O restante são pacientes que, em sua maioria, tiveram exposição a alguma poluição extrema, como um funcionário de uma carvoaria. Os médicos explicam tratar-se de uma doença silenciosa, uma vez que os sintomas aparecem aos poucos, na maioria das vezes a partir dos 40 anos. Com o envelhecimento, chegando aos 50, 60 anos, ela se torna mais evidente. A pessoa apresenta tosse, catarro, sente cansaço e leve falta de ar, mas remete os sintomas à idade ou à falta de condicionamento físico. Com o tempo, a situação se agrava.
Pneumologista da Faculdade de Medicina do ABC, Franco Martins explica que a doença acomete as vias respiratórias e vai se desenvolvendo progressivamente. A maioria dos casos que têm diagnóstico, segundo ele, são aqueles com muitos sintomas – ou seja, a pessoa procura o médico quando já tem muitas queixas, ou quando está em um momento de crise.
Além do risco de uma pessoa sem diagnóstico para DPOC se contaminar com coronavírus, Martins chama a atenção para o perigo de o doente ir ao hospital em crise, pensando tratar-se de coronavírus, mas ser DPOC. “Pode haver dificuldade para entender se é a doença ou se é coronavírus”, pontua. Com os tratamentos corretos, segundo ele, é possível reduzir a progressão da doença e evitar as chamadas “exacerbações”, episódios em que a pessoa tem uma piora súbita dos sintomas.
Fila por transplante
Foi assim que Iara Flores, de 60 anos, moradora de Porto Alegre, descobriu a doença. Depois de fumar por 36 anos (ela começou jovem, aos 12 anos), a ex-faxineira começou a passar mal, sentindo muita falta de ar. E chegou a ponto de não conseguir tomar banho, por conta do esforço físico. Após algumas idas a postos de saúde, em 2008, soube que tinha enfisema pulmonar. Desde 2014, ela utiliza oxigênio suplementar.
Com uma capacidade pulmonar de apenas 16%, Iara está há cinco anos na fila por um transplante pulmonar. A mulher conta que antes da chegada do novo coronavírus, seu maior medo era morrer depois de agonizar com falta de ar. “Quando tenho as crises, já é ruim. Imagina numa hora fatal”, diz. Hoje, seu maior medo é de morrer sozinha em um quarto, completamente isolada. “Sem poder ver meus filhos, sem poder me despedir. Acho que é o medo de todo brasileiro, é um medo mundial”, afirma.
Como Iara não está saindo de casa, a filha fica encarregada das compras. O tratamento que fazia, três vezes por semana, foi suspenso, mas ela continua tendo orientações de médicos e fisioterapeutas por meio de um aplicativo de celular. Em casa, não deixa de fazer as tarefas domésticas, à medida de sua capacidade pulmonar. Quando cansa, para.
Já o professor Idelci Santana, de 55 anos, conta que fumou pouco — cerca de 5 anos. Quando criança, entretanto, sofria de asma. Somando a esses e outros fatores da vida de Santana, descobriu a DPOC em 2017, quando já sentia muita falta de ar. À época, o homem fez um exame que mostrava capacidade pulmonar de 37%. É considerado muito grave quando o percentual é abaixo de 30. Desde então, o professor vem se cuidando e diz ter sentido melhoras.
Afastado das salas de aula por não ter fôlego, ele conta que o período atual é de grande medo. “Já é uma situação difícil sem o vírus. Agora, com isso, ficou ainda mais complicado. A gente fica mais acuado. Se as pessoas estão escondidas, eu fico ainda mais escondido”, explica. O professor garante que sai o mínimo possível, apenas para ir ao mercado, de forma rápida, e sempre em horários com pouca gente — logo pela manhã, quando acaba de abrir. “É um olho no peixe e outro no gato”, brinca.
Subdiagnóstico
Professor de pneumologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Oliver Nascimento reitera que o perigo é ignorar os primeiros sintomas. “Por isso, (a doença) é subdiagnosticada”, alerta. Para o especialista, é preocupante pensar na quantidade de pessoas com DPOC, sem diagnóstico, em um cenário de pandemia como este que estamos vivendo, de um vírus ainda sem cura.
Saiba Mais
O médico frisa que, em meio à pandemia do coronavírus, “pacientes com DPOC não devem sair de casa, nem mesmo para fazer compras. Essas pessoas vão reagir mal a qualquer infecção respiratória. Vão ser mais sintomáticas, até com uma gripe”, explica. Araújo frisa, ainda, a importância, para quem tem DPOC ou qualquer outra doença crônica, de se abandonar o cigarro, caso ainda fume, para que melhore a capacidade respiratória. “Se continuar fumando, vai continuar perdendo”.