Brasil

Fé em tempo de isolamento social

Em meio à pandemia da Covid-19, guias espirituais foram forçados a interromper celebrações presenciais, mas mantêm contato com fiéis por meios digitais. Segundo religiosos, a intenção é levar mensagens de esperança e provocar a reflexão

 
Medo, ansiedade e tristeza são sentimentos comuns em meio à pandemia do novo coronavírus. Líderes religiosos acreditam, no entanto, que o momento pode trazer reflexões importantes e, até mesmo, um crescimento espiritual. Atentos à disseminação da doença no Brasil, guias espirituais optam por interromper as celebrações presenciais. Apesar disso, mantêm contato com os fiéis por meios digitais e dão apoio. A intenção é de levar mensagem de esperança e apresentar pontos positivos do isolamento.

Segundo dados do DataFolha de dezembro de 2019, 50% dos brasileiros são católicos; 31%, evangélicos; 3%, espíritas; e 10% se declaram sem religião. O Correio escutou representantes desses grupos para saber como têm enfrentado a crise provocada pela doença. 

Presidente da Associação de Igrejas Evangélicas do Brasil, Sérgio de Oliveira explica que a orientação para os templos é respeitar os decretos de autoridades locais. Ele pede que os membros se resguardem e cuidem da saúde. “A igreja evangélica prega a obediência, se não obedecer, as igrejas serão as primeiras a transgredir”, disse. Apesar disso, o líder religioso reitera que “cada igreja tem uma realidade diferente e cada líder tem sua consciência e necessidade”. 

No país, 534 templos sãovinculdos à associação, além de outros 27 espalhados pela Itália, Estados Unidos, Argentina, Suíça e Bolívia.

Para o pastor, o momento de pandemia exige solidariedade: “Esse é um dos fundamentos do evangelho, amar ao próximo como a você mesmo. Para amar ao próximo, a gente precisa cuidar dele”, afirmou. 

Sérgio ressalta que, do ponto de vista religioso, há “conforto em saber que isso aconteceria” porque está nas “profecias” bíblicas. Apesar de ser um momento difícil de enfrenta”, ponderou.

Maria de Fátima Mustange é líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias. Ela conta que a igreja, localizada na Asa Sul, planeja ações sociais para diminuir o impacto do coronavírus na comunidade. A igreja, que já entregava cestas básicas a desempregados, agora, vai distribuir marmitas aos moradores de rua. “Muitos restaurantes estão fechados. Então, eles não conseguem mais pegar comida”, destacou.  

*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

Quarentena espiritual
 
 
Padre missionário Hintz Dagoberto
Comunidade Católica Shalom

O padre missionário da Comunidade Católica Shalom, Hintz Dagoberto, acredita que, como cristão, é chamado a olhar essa situação a partir de um olhar de fé. E chama a atenção para o período em que o isolamento começou. “Esta situação se apresentou para nós em um momento em que fomos inserido no tempo da quaresma. A oandemia chegou quase ao mesmo tempo. A quaresma, para nós, é um grande retiro, um convite à oração e caridade”, explica.
O padre transformou a sala da casa onde mora com mais seis missionários em uma capela para celebrar missas. “De alguma forma, nós alcançamos aqueles que precisam, levamos a eles uma palavra de conforto”, afirma. Hintz acredita que a situação ensinará a sociedade a se voltar ao essencial. “É um grande convite a um tempo de oração. Rezar por aqueles que estão sofrendo, pelos médicos e agentes de saúde que estão na linha de frente”, ressalta.


Pastor Ricardo Espindola
Igreja Batista Central de Brasília
 
 
O pastor Ricardo Espindola, da Igreja Batista Central de Brasília, acredita ser este o momento para seguir as recomendações de distanciamento social propostas pelo governo. Na tentativa de manter o contato com os fiéis, intensificou o uso de plataformas digitais: “Eu estou fazendo live diariamente, temos playlist no Spotify e publicações no WhatsApp. A rede da igreja é grande”. Sobre a pandemia, o pastor engrossa o coro que pede reflexão: “É tempo de buscar a fé, voltar-se para Deus e reconhecer a nossa pequenez”.
 
Jorge Godinho Barreto Nery
Presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB)
 
 
“Vemos (a quarentena) como um processo de mudança e transformação. São tempos de reflexões mais profundas e tempos de crescimento espiritual. Um momento de nós refletirmos para onde estamos caminhando”, avalia o presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB), Jorge Godinho Barreto Nery. Ele diz ver o processo de isolamento social como algo natural, que foge do controle do homem.
Há cerca de 15 mil centros espíritas no Brasil cadastrados junto à FEB. A recomendação da federação é a de que eles se atentem às orientações dos órgãos de saúde. “Para evitar as aglomerações, começamos a praticar as reuniões de forma virtual para continuar nossos estudos”, disse. Segundo Jorge, a humanidade sairá dessa crise com outro pensamento. “Estávamos vivendo uma busca do ter. Ter carros, ter bens. Uma época de valores perecíveis. Fomos obrigados a parar e dar atenção para valores que são imperecíveis, como o amor ao próximo”, conclui.

Marcelo Berçot
Agnóstico e biomédico  
 
 
O agnóstico e biomédico Marcelo Berçot apoia o distanciamento social como medida de contenção da doença. “Eu vi que o papa (Francisco) tomou medidas de isolamento social e acredito que outros líderes, independentemente da religião, deveriam fazer o mesmo”, pontua. O cientista diz que está vendo muitas pessoas nas ruas, fora da quarentena voluntária. “Grande parte da população brasileira é católica e não está seguindo nem o que o próprio papa recomenda”, avalia. “Ou seja, elas vão de encontro ao que os líderes religiosos pregam e contra o que as autoridades sanitárias e de saúde pedem. É hora de refletirem sobre onde está o amor ao próximo.”