Ao passo em que o Ministério da Saúde prevê dobrar o número de casos confirmados de Covid-19 a cada três dias, as unidades de saúde de todo o país só têm equipamentos de proteção individual (EPI) garantidos para os próximos 20 dias. Contratos firmados para importar os produtos da China não foram honrados pelos fornecedores por dificuldade de produzir de acordo com a demanda. O mesmo já acontece com as aquisições de respiradores e tende a se repetir frente às futuras necessidades de reagentes e medicamentos.
O estoque central de EPIs do governo federal ficou zerado após a distribuição dos últimos 40 milhões de máscaras, luvas, gorros e outros similares para estados e municípios. O Brasil já tinha assinado a compra de mais 720 milhões de produtos, mas o acordo não saiu do papel. Segundo o ministério, isso ocorre por conta da demanda mundial, que tem trazido escassez e dificuldades na produção e entrega no âmbito internacional. Neste cenário, outros países têm se adiantado para buscar os equipamentos. Foi o que fez, por exemplo, os Estados Unidos esta semana, enviando 23 aviões cargueiros à China. Enquanto isso, a empresa que já havia firmado contrato com o governo brasileiro alegou falta de estoque para fornecer 200 milhões de máscaras.
“Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil estão com o mesmo grau de dificuldade de adquirir EPIs”, alegou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em meio à corrida dos países para conseguir suprir as demandas internas, o chefe da pasta apontou um caminho colaborativo. “O Brasil pode colaborar com algumas coisas e devemos trabalhar conjuntamente para conseguir uma ampliação, uma harmonização, inclusive, com a questão da pesquisa clínica, da produção de máscaras e de testes de vacina”, sugeriu. A alternativa está sendo discutida junto aos representantes dos EUA e o Congresso.
A nova compra de 200 milhões de itens foi firmada esta semana, o que deve sustentar o sistema por cerca de 60 dias. “Só comemoro o produto recebido, porque mesmo assinado, chega na data e não se consegue entregar”, ponderou Mandetta. Depois das recentes tentativas frustradas, o ministro garantiu que irá acionar a Força Aérea Brasileira (FAB) e as empresas de aviação nacional caso haja a necessidade de buscar os insumos. A movimentação vale para a importação de respiradores, cuja venda de um lote também foi rompida por falta de produção.
Ontem, a pasta anunciou o fechamento de mais um acordo, com empenho de R$ 1,2 bilhão, para importar 8 mil equipamentos necessários para tratar os casos mais graves da doença.
O problema com os EPIs e respiradores não é único gargalo que a Saúde se prepara para enfrentar. A compra de reagentes e medicamentos também é um desafio. Prevendo um colapso na cadeia de suplementos, a Índia, o principal fornecedor mundial de genéricos, restringiu, em março, a exportação de 26 ingredientes farmacêuticos e remédios. “O mundo vai precisar rever essa metodologia de produção, que concentra em alguns países toda a demanda global. Quando o sistema cai, cai para todo mundo”, explicou o ministro.
Retardatário
A dependência do mercado internacional que traz essa instabilidade no cenário brasileiro é um reflexo da falta de priorização nas áreas de desenvolvimento das estratégias de produção. É o que afirma o especialista em Saúde Coletiva e professor da Universidade de Brasília Jonas Brant. “Os tomadores de decisão precisam entender como a importância de investir na capacidade de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais para a produção de reagentes, insumos e equipamentos hospitalares. Hoje, temos uma defasagem grande de testagem justamente porque o Brasil depende de importação”, exemplificou.
No entanto, Brant reconhece que o país tem vantagens em comparação a outros territórios. “O Brasil é uma forte liderança estratégica de saúde na América Latina e em países de língua portuguesa. Mesmo assim, não tem condição de suprir a própria demanda, muito menos de apoiar esses países neste momento”, analisou. Para ele, o panorama atual mostra a necessidade de se debater programas governamentais que valorizem a capacitação e independência de produção.
Campanha
Para que o Brasil consiga ter tempo para se reabastecer, Mandetta fez um pedido à população: “Fiquem em casa, mantenham as medidas de distanciamento social para que o sistema se prepare. Quem tem máscara, leve ao hospital, os médicos vão precisar. Mais do que nunca, a gente tem que poupar ao máximo”.
O Ministério da Saúde lança hoje uma campanha nas redes sociais para estimular a população a fazer suas próprias máscaras de pano, em uma espécie de barreira física contra o novo coronavírus.
O objetivo é garantir uma alternativa de proteção e diminuir a corrida por esse tipo de produto, garantindo a oferta a profissionais de saúde.
Ajuda de dentistas e veterinários
O Ministério da Saúde publicou portaria, ontem, instituindo o programa “Brasil Conta Comigo”. A iniciativa organizará a atuação de 15 categorias de trabalhadores da área da saúde em ações de apoio à prevenção e ao combate à pandemia. Médicos e enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, dentistas, nutricionistas e até veterinários e profissionais de educação física foram convocados. Os profissionais serão colocados em um cadastro geral, que poderá ser consultado pelas autoridades de saúde para o planejamento de suas iniciativas. Eles serão capacitados nos protocolos clínicos do Ministério da Saúde, e vão contribuir nas ações de combate ao novo coronavírus. A informação sobre os trabalhadores deverá ser repassada pelos respectivos conselhos profissionais. Segundo a Agência Brasil, a capacitação será realizada por meio de atividades de educação a distância (EaD). A portaria, contudo, não deixa claro como esses profissionais atuarão e como será garantida a qualificação profissional necessária.