Brasil

Pequenos municípios sem investimentos


A situação de municípios pequenos com a aprovação do novo marco regulatório de saneamento básico continua sendo motivo de discordâncias. O projeto, que já passou pela Câmara dos Deputados e está no Senado Federal, deve começar a tramitar nas próximas semanas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já havia falado sobre a intenção de votá-lo após recesso de carnaval. Um dos principais pontos da matéria é a abertura para maior participação da iniciativa privada e o fim da possibilidade de contrato de programa (firmado entre entes públicos, como uma prefeitura e uma estatal, sem a necessidade de licitação). 
 
Com isso, a polêmica ficou em torno da viabilidade do atendimento de municípios pequenos, que poderiam ser menos atrativos para empresas privadas. No modelo atual existe o chamado financiamento cruzado. Então, em uma unidade federativa onde a estatal detém o sistema de saneamento na maior parte dos municípios, o lucro obtido nas cidades maiores serve para financiar a expansão e abastecimento do serviço nos municípios menores e nas periferias (e para manter a tarifa uniforme). Com a abertura para empresa privada, não haveria  essa garantia. 
 
No texto do projeto, entretanto, com a tentativa de solucionar o problema, foi incluída a criação de blocos de municípios: ou seja, a junção de cidades vizinhas, que farão uma mesma licitação e terão o serviço prestado por uma mesma empresa. A separação por blocos seria feita pelos estados, segundo a proposta. A ideia, então, é que mesmo cidades pequenas estejam juntas com outras, tornando-se atrativas para a iniciativa privada. 
 
Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), seção Distrito Federal (DF), Sérgio Gonçalves diz ver a possibilidade do fim do subsídio cruzado como um problema e um risco para municípios pequenos, mesmo com a  proposta de blocos. “O município que não conseguir investimento, o estado vai ter que entrar (com recursos). A gente vai cair em um problema sério”, afirma. Gonçalves cita como exemplo obras caras para levar água a comunidades remotas. Para ele, empresas privadas não terão interesse de investir milhões para a construção de uma adutora, por exemplo, que forneceria água para uma comunidade de apenas 400 habitantes. "O estado vai acabar tendo que entrar com dinheiro”, critica Gonçalves.
 
Supervisora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Cláudia Lins diz ver a questão do subsídio como um ponto delicado. Para ela, a criação de blocos pode ser a solução para algumas regiões, mas não para todo o país. Cláudia pontua que a iniciativa privada deve ter interesse principalmente nos blocos mais rentáveis. “O estado terá condições de assumir (os outros blocos)?”
 
Diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto afirma que a questão de investimento em municípios pequenos foi superada com a criação da proposta dos blocos regionais. De acordo com ele, isso garantirá investimento em cidades pequenas. Soares refuta a ideia de que empresas privadas não têm interesse em municípios pequenos. Para rebater esse argumento, ele menciona um estudo da Abcon, segundo o qual 58% das concessões privadas do serviço de água e esgoto estão em municípios com menos de 20 mil habitantes. “Dizer que não haverá operação privada em município pequeno não é verdade”, sustenta. “Os municípios pequenos têm na regionalização a saída para manter economia de escala”, completa.  
 
Com 1,7 milhão de habitantes, Rondônia é o estado brasileiro com menor cobertura de saneamento básico: só 4,9% da população possui rede de esgoto. Existem municípios inteiros, segundo dados do Agência Nacional de Águas (Ana), sem a infraestrutura, como é o caso de Mirante da Serra, com 10,9 mil pessoas. O prefeito Adinaldo de Andrade afirmou que existe um convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), mas que o processo vinha se arrastando. Segundo ele, entretanto, as obras serão feitas agora. “Queremos começar em 30 a 60 dias”. 
 
Uma notícia de 2015 no site do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que houve uma representação a respeito de possíveis irregularidades em um edital de licitação para implantação do sistema de esgotamento sanitário no município, com valor de aproximadamente R$ 20 milhões. Na ocasião, uma empresa informou que haveria exigências supostamente ilegais no edital. O TCU, então, considerou que as exigências configuravam restrição à competitividade do certame, e determinou que o município anulasse a concorrência. Segundo o prefeito, que assumiu a prefeitura em 2017, a cidade chegou a perder o convênio após a suspensão do certame, mas conseguiu uma liminar na Justiça, obtendo os recursos de volta. Há seis meses, de acordo com ele, saiu o resultado de novo certame e agora será possível realizar as obras. 
 
A reportagem tentou contato com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da matéria, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno.