Brasil

Dois anos de um crime sem solução

Apesar da prisão de dois suspeitos de participação no assassinato da vereadora e do motorista, as motivações e os mentores do homicídio ainda são desconhecidos. Mas, nesse período, várias foram as confusões e dificuldades de se tocar a investigação



Há exatamente dois anos, em 14 de março de 2018, sete tiros disparados de uma arma calibre 9 milímetros, no centro do Rio de Janeiro, silenciava a vereadora Marielle Franco, conhecida pela luta contra as desigualdades sociais, por denunciar problemas das comunidades cariocas e por apontar os grupos milicianos que dominam regiões em diversos pontos da cidade. Os disparos também mataram o motorista Anderson Gomes, que a conduzia. Apesar da brutalidade, o crime fez com que sua voz, registrada pelos microfones da Câmara Municipal do Rio e nas palestras que fazia, rompeessem as fronteiras do Brasil. Hoje se pode ver seu rosto estampado nas ruas de Berlim e em um outdoor no metrô de Sydney, além dos grafites em vários muros cariocas.

Passados 24 meses do homicídio, ainda não se sabe a motivação e quem são os mandantes do crime. Apesar de detalhes importantes sobre a dinâmica do assassinato serem conhecidos, a polícia continua sem encontrar quem está por trás. Até o momento, cinco pessoas foram presas suspeitas de terem algum tipo de participação. O deputado distrital Fábio Félix (PSol) denunciou falha nas investigações sobre o caso, no ano passado. Conforme assegura, no período de um ano, pouca coisa mudou, e é necessário que as diligências avancem para que os fatos sejam esclarecidos.

“É uma mistura de frustração e indignação. O Estado brasileiro não deu uma resposta à altura da gravidade destes crimes. É um atentado cometido contra uma pessoa eleita, em uma conspiração política, pois não foi uma execução comum”, indigna-se.

Segundo o parlamentar, a demora na elucidação do crime se justifica pelo envolvimento de pessoas com forte poder político. “Acredito que não existe interesse das autoridades em desvendar. Esses interesses envolvem pessoas muito poderosas. As milícias neste país têm uma rede de proteção muito forte”, acusa.

As investigações do Ministério Público apontam a participação de milicianos nos assassinatos da vereadora e do motorista. Ainda em 2018, a Polícia Federal apontou que havia uma organização tentando interferir na elucidação do assassinato. Entre os acusados de obstruir o trabalho das autoridades, está o delegado de Polícia Federal Hélio Khristian Cunha de Almeida. Ele teria tentado subornar o vereador Marcello Siciliano (PHS-RJ), solicitando R$ 300 mil para não acusá-lo falsamente de ser o mandante da morte de Marielle. Além dele, o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, e a advogada Camila Nogueira também foram presos sob a acusação de tentar impedir o avanço das diligências.

Estão presos por acusações de envolvimento direto no crime os ex-policiais Élcio Queiroz e Ronnie Lessa. Ambos estão na Penitenciária Federal de Porto Velho e devem ser levados a júri popular, por decisão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Os dois foram interrogados na última quinta-feira e, durante a conversa com os investigadores, negaram participação no crime. Na casa de Élcio, foram encontradas duas pistolas e mais de 100 munições. Questionado sobre o caso, afirmou que o equipamento foi comprado quando atuava na Polícia Militar.

No carro de Élcio, havia duas caixas de munição para fuzis. Ele afirmou, em depoimento, que achou os projéteis em um gramado, em frente à casa dele. A nova versão contrasta com outra, dada no momento da prisão. Na ocasião, de acordo com o Ministério Público do Rio, o ex-PM assumiu ser o dono das munições.

No dia em que foi preso, os policiais o encontraram saindo de casa às 5h –– o que levantou questionamentos sobre o vazamento de informações para a operação que o prenderia. Em sua defesa, Élcio afirmou que trabalhava em uma transportadora e ia para o trabalho, quando as equipes chegaram com o mandado de prisão.

Já Lessa mora no Condomínio Vivendas da Barra, o mesmo em que o presidente Jair Bolsonaro tem casa, que chegou a ser envolvido no caso por um porteiro, que prestou depoimento à Polícia Civil e voltou atrás na versão que dera, dias depois.

Na data da morte de Marielle e de Anderson, o presidente estava em Brasília e participou de votações na Câmara.


  • Uma vergonha que dura tempo demais


    2018
    14 de março - Marielle e Anderson Gomes são mortos no Rio.

    16 de março - Polícia divulga imagens do crime e do Chevrolet Cobalt prata usado pelos criminosos.

    29 de março - Polícia fala em motivação política.

    2 de abril – Manifestações contra a morte de Marielle e Anderson ocorrem no Brasil e no mundo.

    19 de setembro - Demora na investigação é denunciada à ONU.


    2019
    12 de março - Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa são presos.

    29 de outubro - Nome de Bolsonaro é citado por porteiro do condmínio.

    29 de novembro - Porteiro recua e confessa que mentiu.


    2020
    12 de março de 2020 - Élcio e Ronnie prestam depoimento.

    14 de março - Crime completa dois anos.