Brasil

Cinco mulheres que mudaram a ciência



Em volta de uma mesa, elas sentam diariamente para conversar. Assunto de mulher. Querem descobrir tudo nos mínimos detalhes. Por vezes, varam a madrugada, privam-se do sono e, juntas, veem o dia amanhecer. Se no mundo só se fala disso, elas estão por dentro. Ou melhor, à frente. A equipe responsável por sequenciar o genoma do novo coronavírus é um ponto fora da curva e mostra que ciência é, sim, assunto de mulher.

As biomédicas Jaqueline Goes de Jesus, Ingra Morales, Flávia Salles e a farmacêutica Erika Manuli são as pesquisadoras da Faculdade de Medicina da USP, dentro do Instituto Adolfo Lutz (IAL), que decifraram a amostra do primeiro caso de infecção da Covid-19 na América Latina. O resultado saiu em apenas 48 horas, mostrando a estrutura do vírus. Elas fazem parte da equipe do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), liderado pela médica Ester Sabino, 60 anos, e composta por mais quatro mulheres e um homem.

A dominância feminina no laboratório, no entanto, está bem acima da média mundial. Dados da Unesco de 2019 apontam que apenas 28% dos pesquisadores são mulheres. O gênero também encontra maior dificuldade em conquistar um posto na área das ciências: a cada 20 tentativas, elas conseguem um emprego, enquanto os homens conquistam uma vaga em 25% das entrevistas.

“As mulheres precisam ser determinadas, e não podem deixar de fazer o seu projeto de vida profissional. Isso, para a ciência, é muito importante”, incentiva Ester. Formada em medicina pela USP, ela iniciou a carreira especializando-se em pediatria. Mãe de três filhos, atrelou o crescimento da família ao profissional. “É difícil conciliar, não sei se mais do que qualquer mulher”, observa.

Na década de 1990, ingressou no Adolfo Lutz para estudar a epidemia de HIV. Morou nos Estados Unidos por dois anos, onde aprendeu técnicas de sequenciamento, e trouxe a experiência na volta ao Brasil, sendo a responsável por trabalhar com os primeiros genomas da doença no país. Ao longo da carreira, fez contribuições importantes às linhas de pesquisa de Zika, Dengue, Doença de Chagas e Febre Amarela, e se tornou a primeira mulher a dirigir o Instituto de Medicina Tropical da USP. “Sempre há barreira, isso em qualquer área. O mais difícil é o preconceito velado. Não é algo direto”, aponta.

“Mulheres não podem deixar de fazer projeto de vida profissional. Tenho 3 filhos, tive que cuidar deles e consegui manter as duas coisas”
Ester Sabino, 60 anos, médica

“Para se inserir, é necessário dedicação. Envolver-se em projetos logo na graduação, estabelecer-se diante da comunidade científica”
Jaqueline Goes, 30 anos, biomédica

“Mulheres não estão se sentindo valorizadas na pesquisa. E nós, mulheres, podemos, sim, ser protagonistas”
Ingra, 28 anos, biomédica

“Estou há cinco anos no laboratório. Chegar ao final do dia, e sentir que conseguimos, isso tem um impacto muito importante”
Flávia Salles, 30 anos, biomédica

“Nosso trabalho mostrou que as mulheres brilham. Quero continuar o desenvolvimento para a descoberta de novos vírus”
Erika Manuli, 44 anos, farmacêutica