A Marquês de Sapucaí se pintou de vermelho e branco para comemorar o título da Unidos do Viradouro, ontem, o segundo da escola de samba de Niterói na história do carnaval do Rio de Janeiro. Num desfile marcado por críticas à política e a episódios do atual governo, saiu-se vencedor um enredo histórico, que falou da história das Ganhadeiras de Itapuã, grupo ex-escravas de Salvador que foram em busca da alforria — que encerrou um jejum que a agremiação amargava desde 1997.
Durante o desfile, a escola retratou a força das mulheres negras escravizadas no século 19, ressaltadas na avenida como as primeiras feministas do Brasil, e que vendiam comida e lavavam roupas na Lagoa do Abaeté, bairro da capital baiana. Com o dinheiro arrecadado, compravam a liberdade de outras mulheres submetidas ao cativeiro. De refrão simples e fácil de cantar, o samba (veja ao lado) era entoado à capela em dois trechos e conquistou a plateia ao ritmo do afoxé, nos batuques e na melodia. Além disso, as alegorias e fantasias eram luxuosas e caprichadas.
Completaram o pódio a Grande Rio e a Mocidade Independente, outras duas escolas que também deixaram a politização de fora do desfile. Enquanto a escola de Duque de Caxias adotou uma linha centrada na crítica à intolerância religiosa e menção ao pai-de-santo Joãozinho da Gomeia, a de Padre Miguel organizou um tributo a Elza Soares, que participou do desfile. Assim como a Viradouro, a escola enfatizou o empoderamento das mulheres, ao destacar a contribuição da cantora ao movimento feminista e à luta contra o machismo e o racismo.
Das outras três agremiações que voltarão à Marquês de Sapucaí para o desfile das campeãs, no próximo sábado, duas também apresentaram histórias que fugiam da política: Beija-Flor e Salgueiro. Enquanto a primeira fez menção às grandes jornadas da humanidade desde a Era Glacial, a segunda ressaltou a história do primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira.
A Mangueira, cujo enredo incomodou o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, obteve apenas a sexta colocação. Porém, foi a mais bem colocada entre as que levaram à avenida uma apresentação que claramente criticava o atual governo — sobretudo com o enredo intitulado “A Verdade Vos Fará Livre” (referência ao versículo bíblico predileto do presidente, João 8:32) e pelos versos “Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem Messias de arma na mão”.
Arrancada no final
A Viradouro levou a melhor em uma apuração emocionante e a vitória veio nos momentos finais da leitura das notas. Durante quase toda a apuração, a Grande Rio ficou isolada na liderança. No entanto, perdeu décimos no penúltimo quesito, Evolução, devido a uma falha do carro abre-alas: como os condutores não conseguiram fazer a curva que liga a concentração à pista do sambódromo, tiveram que parti-lo em dois e ficou um vazio entre as duas partes.
O erro favoreceu a Viradouro, que recebeu 10 de todos os julgadores e assumiu a ponta. Após a leitura das notas do quesito final, Harmonia, Viradouro e Grande Rio permaneceram empatadas, com 296,6 pontos. Mas a escola de Niterói venceu nos critérios de desempate e pôde soltar o grito entalado na garganta há 23 anos, fazendo jus ao enredo “Viradouro de alma lavada”.
- Viradouro de Alma Lavada
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Levanta, preta, que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
Pra luta sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da bica de Itapuã
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé
É a voz da mulher!
Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Levanta, preta, que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
Pra luta sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da bica de Itapuã
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé
É a voz da mulher!
Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!