Dez anos depois de promulgada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Brasil passou a contar com regras claras, metas e prazos para mitigar os danos de um problema crescente, que o desenvolvimento da tecnologia faz multiplicar: o destino do lixo eletroeletrônico. Desde a semana passada, quando foi publicado o Decreto nº 10.240, de 12/2/2020, começou a contar o prazo para a implementação de um sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos.
Segundo maior produtor das Américas desse tipo de resíduo, depois dos Estados Unidos, com descarte de 1,5 milhão de toneladas em 2016 (último dado disponível), o país tem, agora, até 2025 para contar com 5 mil pontos de coleta e destinação de lixo eletroeletrônico, espalhados por 400 cidades, que concentram 60% da população. Municípios com mais de 80 mil habitantes terão que ter um ponto de coleta para cada 25 mil habitantes. Cidades menores poderão fazer campanhas móveis de coleta ou estabelecer esquemas consorciados. O número sobre a produção dos resíduos eletrônicos é de 2016 e foi produzido pela Global E-waste Monitor da Universidade das Nações Unidas.
O governo espera que até 2025 seja dado destino ambientalmente correto a 17%, em peso, do lixo eletroeletrônico descartado por ano, tendo como base 2018. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que esse percentual equivale a 150 mil toneladas e não a 255 mil toneladas, se considerada a estimativa de descarte no Brasil feita pela ONU, em 2016. O decreto aponta 255 itens que podem ser descartados, mas a lista com produtos e pontos de entrega serão atualizadas periodicamente e estarão disponíveis no Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR).
De acordo com o secretário de Política Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, André Luiz Felisberto França, a implantação do sistema vai ajudar a ter números precisos sobre a produção e o destino desse tipo de rejeito. “O decreto era o que faltava para estruturar o sistema e o cidadão ter onde levar e ter quem destine o material a locais adequados para o desmonte e a reciclagem”, diz. Embora em 2010 a PNRS já tenha estipulado que fabricantes e importadores têm a obrigação legal de dar destino aos resíduos, segundo o secretário, quase nada foi feito nos últimos anos. “Até 2019, havia 70 pontos de coleta. Somente com a assinatura do acordo setorial, em outubro do ano passado, com mais 1.100 representantes do setor, tivemos outros 100 pontos instalados. Muitos estão se adiantando ao cronograma do decreto, que traz metas progressivas de instalação dos pontos a partir de 2021”, afirma.
O secretário se refere aos pontos de coleta instalados pela Green Eletron, entidade gestora de resíduos, sem fins econômicos e lucrativos, que maneja os dejetos de cerca de 33 fabricantes e importadores em São Paulo, estado mais adiantado no processo. É esse tipo de entidade que os fabricantes e importadores de eletroeletrônicos terão que contratar para instalar os pontos de coleta e dar destino adequado ao lixo eletrônicos. “Também é possível fazer planos individuais, mas os arranjos coletivos com as entidades são economicamente mais viáveis”, diz o secretário.
O decreto se refere ao destino de rejeitos domésticos e também àqueles gerados por micro e pequenas empresas, que poderão ser entregues nos pontos de entrega. O lixo eletrônico gerado por corporações e governos já obedecem a planos específicos de gerenciamento de rejeitos estabelecidos pela PNRS.
As metas começam a contar a partir do ano que vem, mas na primeira fase, até o fim deste ano, será criado um grupo de acompanhamento (composto por representantes de fabricantes; importadores; distribuidores; comerciantes e entidades gestoras), que terá que se reunir a cada cento e oitenta dias para planejar, monitorar e acompanhar o processo de instalação do sistema de logística reversa. Fabricantes, importadores, distribuidores e comércio também terão que elaborar planos de comunicação e educação ambiental, para divulgar a implantação do sistema. O decreto prevê responsabilidades para todos os representantes do setor, inclusive, para as embalagens.
Empregos potenciais
Embora ainda não haja estudos concretos disponíveis sobre o potencial de geração de empregos com os sistemas de logística reversa em funcionamento, há expectativas de estímulos de novos negócios. “É uma boa sinalização para o setor e, com a definição das regras do decreto, haverá mais segurança jurídica para a abertura de negócios”. “Creio que muitos empregos serão criados, em função de uma nova cadeia de atividade que até então não existia. Com a meta final do decreto, em cinco anos teremos que instalar cinco mil pontos em 400 cidades, para coletar os produtos, transportar e depois desmontá-los e reciclá-los. Tudo isso vai precisar desde empresas que fabricam os coletores, a empresas que irão instalá-los, que coletarão os produtos, transportá-los, desmontá-los e reciclar. Essa cadeia toda está só iniciando, portanto, precisará de muitas empresas e, consequentemente, empregados”, avalia Ademir Brescansin, gerente executivo da Green Eletron.
Em 2010, a PNRS previu o sistema de logística reversa para outros produtos poluentes, além de eletroeletrônicos, como lâmpadas, pilhas e baterias, agrotóxicos e suas embalagens, pneus, óleos lubrificantes e medicamentos. Para alguns setores, já havia instruções de manejo e destino estipulados em resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), ou legislações específicas que antecedem a PNRS, caso dos agrotóxicos e suas embalagens. Segundo França, ainda no primeiro semestre sairão as regras para logística reversa dos medicamentos. Um dos objetivos é que remédios vencidos, por exemplo, possam ser entregues em farmácias.
Atraso
Na avaliação de especialistas em gestão de resíduos, a regulamentação do sistema de logística reversa dos eletroeletrônicos deveria ter acontecido antes, pois a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) traz a determinação de acordo setorial para eletroeletrônicos há 10 anos. A demora deixou o Brasil atrasado na reciclagem de resíduos, em comparação com outros países com o mesmo nível de desenvolvimento. Para eles, parte da explicação para o atraso está na resistência do setor produtivo em incorporar novos custos.
Segundo Carlos Silva Filho, diretor-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), logística reversa é uma operação custosa, que não pode ficar a cargo apenas do setor público. Ele vê os prazos e metas estabelecidos no decreto como um reforço positivo, mas acha que o Brasil está muito atrasado. “O Brasil recicla 3% do lixo gerado. É muito pouco e este percentual está estagnado há 10 anos. Países como Argentina, China, Colômbia, Jordânia, Líbano, Malásia, México, Peru, Romênia e África do Sul reciclam entre 20% e 25% do lixo gerado”, compara.
No entender de Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, ainda falta mais detalhamento sobre a fiscalização do processo. “É preciso informar o local do descarte no ato da compra. Essa informação deveria vir junto com o produto. O setor produtivo precisa assumir a responsabilidade pelo pós-consumo”, opina. Segundo ela, a Califórnia, nos Estados Unidos, tem modelos de logística reversa muito avançados que são inspiradores, mas os sistemas adotados na Europa, como na Alemanha, por exemplo, são mais indicados para o Brasil porque utilizam cooperativas de forma inteligente e são adequados à “importante presença dos catadores no país”.
Fernanda Iwasaka, do Instituto Akatu, destaca que a PNRS introduziu o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa e o setor de eletroeletrônicos é um dos obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, não o único. Ela também acredita que o Brasil tem ficado para trás na busca de soluções para o problema dos resíduos. “Em relação aos plásticos de uso único, por exemplo, o Canadá anunciou, em junho de 2019, que banirá o seu uso até 2023. O mesmo vale para a União Europeia, que além de banir o uso de plásticos de uso único até 2021, se comprometeu em recolher 90% de garrafas plásticas até 2029, sendo que estas deverão conter ao menos 30% de material reciclado em sua composição até 2034. No Brasil, o cenário caminha a passos lentos: apenas algumas cidades já avançaram na proposta de banimento destes itens”, compara.