Brasil

Caso Backer: intoxicação por dietilenoglicol já matou 750 em 10 países

Estudo de revista médica internacional sobre o mesmo agente encontrado em cervejas da Backer relata intoxicações desde 1937

Correio Braziliense
postado em 19/01/2020 08:51

Primeiro registro da intoxicação ocorreu em medicamente nos EUA, em 1937, que matou 105 pessoasAltamente tóxico, o dietilenoglicol (DEG), agente químico encontrado nas cervejas da indústria Backer, segundo a investigação em curso em Minas Gerais, está envolvido com episódios de envenenamento em massa que causaram mais de 750 mortes em 10 países. A substância foi encontrada nas cervejas da empresa mineira e está associada à intoxicação de 19 pessoas, sendo que quatro delas morreram. Apesar do caso Backer, a maior parte das ocorrências de intoxicação pela substância estava relacionada a preparações farmacêuticas.

 

Estudo sobre o dietilenoglicol, publicado em 2017 na revista médica Clinical Toxicology, da Academia Americana de Toxicologia Clínica, lista episódios nos Estados Unidos, África do Sul, Nigéria, Bangladesh, China, Panamá, Espanha, Índia, Argentina e Haiti desde a década de 1930.

 

O envenenamento por dietilenoglicol não chega a ser uma ocorrência comum, mas todos os casos tiveram uma alta mortalidade, segundo a publicação. “A maior parte dos casos documentados se relaciona a epidemias em que o DEG foi usado em preparações farmacêuticas em substituição a glicerinas e a glicóis mais caros, porém praticamente não tóxicos”, informa.

 

O dietilenoglicol é um líquido transparente, praticamente sem odor, viscoso e com um sabor adocicado. O agente é rapidamente absorvido e distribuído pelo corpo. “As próprias características físico-químicas – sem odor, levemente adocicado e boa dissolução na água, constituem risco para essa contaminação. As substâncias tóxicas geralmente têm característica que já repele”, afirma a professora de toxicologia da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leiliane Coelho André.

 

O primeiro registro de intoxicação pelo dietilenoglicol é de 1937, quando 105 pessoas morreram nos Estados Unidos. A substância foi usada em um composto de sulfanilamida, medicamento com ação antimicrobiana. Quase um terço dos 353 pacientes que tiveram contato com o produto, atualmente pouco usado, morreu. O caso alterou a legislação norte-americana para a produção de medicamentos. Na época, o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, determinou que todos os medicamentos fossem obrigados a passar por teste na Agência Federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (FDA, em inglês) para obter licença de venda.

 

Intoxicações por paracetamol

O episódio mais recente de intoxicação pela substância matou 84 crianças na Nigéria, em 2008, por causa do consumo de um xarope de dentição, para aliviar o surgimento dos dentes. A maior parte dos casos de intoxicação no mundo por dietilenoglicol está relacionada ao uso desse produto no popular analgésico Paracetamol. O remédio contaminado dizimou 236 pessoas em Bangladesh, no período de 1990 a 1992. Também em 1990, 47 vítimas morreram na Nigéria pelo mesmo motivo.

 

Em 1998, o Paracetamol irregular causou a morte de 88 pessoas no Haiti e oito na Índia, que lidera as ocorrências de envenenamento pelo agente químico. Nesse ano também, a presença de dietilenoglicol em um expectorante de tosse matou 33 pessoas – somente três sobreviveram. Em 1986, a contaminação de glicerina pela substância tóxica deixou 21 mortos.

 

Na África do Sul, em 1969, o DEG estava presente em um sedativo e provocou a morte de sete crianças em decorrenção de insuficiência renal. As investigações apontaram que a substância foi usada no lugar de propilenoglicol. A Espanha também registrou contaminação por DEG. Em 1985, cinco pacientes em tratamento na unidade de queimados desenvolveram problemas renais e morreram. Todos haviam usado pomada que contava com a substância tóxica entre seus componentes.

 

Na América do Sul, a Argentina registrou a contaminação por DEG num xarope de própolis, contabilizando 29 óbitos, em 1992. No Panamá, o uso inadvertido do dietilenoglicol em um xarope veio à tona com centenas de pacientes com quadro de insuficiência renal acompanhada de disfunção neurológica, mesma característica apresentada por pacientes com suspeita de intoxicação pela contaminação da cervejaria Backer.

 

A causa no Panamá foi o consumo de um xarope produzido com glicerina importada da China e contaminada com o DEG. As estatísticas oficiais registram 78 mortes, mas esse número pode ultrapassar os 365 óbitos. De acordo com o estudo, o envenenamento por dietilenoglicol ocorre, predominantemente, em locais com baixo acesso a tratamento de terapia intensiva e a processos de controle de qualidade.

 

Vinho contaminado em Viena

Mas há também casos envolvendo o uso do DEG na indústria de bebidas. Em 1985, em Viena, na Áustria, foi reportado um caso de vinho contaminado com altas doses de dietilenoglicol. “Apesar de terem vários episódios, algo que fica a desejar para entender os processos de intoxicação é a relação entre a dose consumida e os efeitos”, diz Leiliane.

 

De acordo com o documento, as doses letais do agente químico não são definidas e que foi estimada em 1 mililitro por quilo (ml/kg). O estudo destaca, entretanto, que a ingestão do DEG pode levar a sérias complicações. A substância é metabolizada no fígado e resulta no 2-HEAA, que é responsável pelos efeitos mais tóxicos.

 

Como na nota técnica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), o estudo caracteriza os sintomas da intoxicação por dietilenoglicol em três fases. Na primeira, pacientes apesentam problemas gastrointestinais, progredindo para a segunda fase, com insuficiência renal aguda. Em sua evolução, eles apresentam alterações neurológicas.

 

O médico Alvaro Pulchinelli, diretor científico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, explica que há três tipos de tratamento para intoxicação por dietilenoglicol. “Um deles é usar o próprio etanol, sob a administração de um médico, para poder contrabalançar os efeitos do DEG. Há também o fomepizol, substância que não existe no Brasil. O terceiro tratamento é a hemodiálise”, explica.

 

 

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