A expectativa para saber o desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 era tão grande que Matthews Sabino, 20 anos, quase não saiu de frente da tela do computador na última sexta-feira. A ansiedade pela divulgação do resultado fez o mineiro de Curvelo, cidade distante 170km de Belo Horizonte, até sonhar, alguns dias antes, com uma nota que o permitisse concorrer ao curso que ele sempre desejou estudar: medicina. No entanto, quando o jovem se deparou com a nota divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o sonho virou pesadelo e ele viu a esperança de começar uma graduação na área de saúde, aos poucos, se esvair.
A nota dele na prova de ciências da natureza e suas tecnologias, aplicada no segundo dia de exames do Enem, destoava das demais áreas do conhecimento. Mesmo tendo acertado 30 das 45 questões desta parte do exame, praticamente 67%, o seu resultado ficou aquém do esperado: 468 pontos — o que não chega nem à metade dos mil pontos possíveis. “Fiquei em dúvida e decidi comparar com anos anteriores. Daí, reparei que em 2018 tinha acertado menos questões, mas tido uma nota maior. Além disso, conversei com outros amigos que tinham acertado 30 ou mais questões, e que conseguiram uma nota muito superior à minha. Portanto, não tinha porque a minha nota ser tão baixa”, reclama.
Assim como Matthews, candidatos de todo o país que prestaram o exame do ano passado foram surpreendidos com o resultado oficial publicado pelo Inep. Uma “inconsistência no gabarito de algumas provas”, como anunciou o órgão, provocou o erro na divulgação das notas do segundo dia de provas de uma parte dos candidatos. Das quase de 3,71 milhões de pessoas que participaram do exame naquela data, o instituto calcula aproximadamente 9 mil candidatos possam ter sido afetados.
Por conta da falha, o Inep prometeu revisar os resultados dos estudantes que foram lesados e divulgar as correções até amanhã. A reavaliação, contudo, será feita mediante a comunicação dos candidatos que se sentiram prejudicados. O instituto abriu dois canais de diálogo para que os alunos peçam a revisão das suas notas (veja Quadro). Matthews já fez a sua parte, agora, espera a reciprocidade da instituição que organiza o Enem.
“A frustração já é enorme. No ano passado, fiquei na lista de espera e não fui aprovado na universidade por questão de pontos. Por isso, eu sei que tenho de dar valor a qualquer ponto que seja, pois isso faz toda a diferença”, comenta o jovem. “Se sentir prejudicado é muito ruim. Estudei bastante e nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Portanto, estou na expectativa para que a minha nota seja arrumada e eu tenha melhores condições para poder me candidatar”, acrescenta.
Críticas
Diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa pede que o Inep dê prioridade à correção das notas, especialmente porque o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa a nota do Enem como parâmetro para o ingresso em universidades públicas, não terá o calendário alterado e vai começar a receber as inscrições na terça-feira. “O instituto não pode aumentar o prejuízo para os alunos. Todos os candidatos que estão participando deste processo têm de ser respeitados”, comenta, acrescentando que a falha na correção gera insegurança para os próximos exames.
“Essa é uma etapa crucial para a vida dos estudantes. Eles já estão muito sobrecarregados emocionalmente, devido à indecisão sobre o que querem para o futuro, e, devido a esse tipo de instabilidade, a situação fica ainda mais grave. Os que participarão das provas futuras ficarão desconfiados. Por isso, esperamos as providências corretas, até para que o Enem não perca a credibilidade”, analisa.
O presidente da Associação de Pais e Alunos do DF (Aspa-DF), Alexandre Veloso, avalia que oInep poderia reverter o estrago mesmo sem a manifestação dos candidatos. “É importante identificar os erros e, de própria providência, adotar a correção. Os estudantes não podem ser penalizados pois o que se espera do serviço é que ele seja de excelência e capaz de ser autorregulado.”
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, pediu desculpas pelo transtorno, admitiu que houve uma “inconsistência” que prejudicou a nota de parte dos candidatos e afirmou que os estudantes tiveram os gabaritos trocados. Ele ainda disse que ninguém será prejudicado. Já o presidente do Inep, Alexandre Lopes, apontou falha da gráfica Valid Soluções S.A. nas notas erradas — esse foi o ano em que a empresa trabalhou pela primeira vez com o teste.
No Enem, candidatos fazem provas diferentes, que são identificadas por cores. De acordo com Lopes, na hora da correção, houve pessoas que realizaram o teste de uma cor e tiveram a correção com base em outra. Ele classificou o erro como uma “falha administrativa de transmissão de informações”, mas afastou a possibilidade de punição à empresa. “Situações, problemas, sempre podem acontecer. O que temos que ter primeiro é transparência”, comentou o presidente do Inep.
Toffoli iguala teto
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, concedeu liminar para igualar o teto salarial de professores e pesquisadores das universidades estaduais e federais. Em ação direta de inconstitucionalidade, o Partido Social Democrático (PSD) questionava o subteto de professores das instituições estaduais com base no salário dos governadores. Agora, o teto passa a ser o valor do salário dos ministros do STF: R$ 39,3 mil.
O presidente da Corte sustentou que a Constituição define um sistema nacional de Educação. “Partindo do pressuposto de que a Carta da República concebeu um projeto de política nacional de educação, não vislumbro razão para compreender como adequada a existência de uma diferenciação remuneratória entre docentes e pesquisadores que exercem as mesmas funções em instituições de ensino superior de entidades federativas distintas.”
“Esse reconhecimento parte da consideração de que os professores que exercem as atividades de ensino e pesquisa nas universidades estaduais devem ser tratados em direito e obrigações de forma isonômica aos docentes vinculados às universidades federais”, disse Toffoli ao ressaltar a importância da valorização da educação enquanto ‘política nacional de Estado’.
O ministro encaminhou a liminar para Gilmar Mendes, relator do caso no Supremo. O plenário ainda deverá deliberar definitivamente sobre a decisão após o recesso do Judiciário, em fevereiro.
O salário dos professores das universidades estaduais têm hoje como referência o salário dos governadores de cada estado. O PSD acusava a regra de criar “injustificável distinção” entre os direitos remuneratórios por conta da vinculação das instituições de ensino a diferentes entes federativos. Ainda, dizia que ela era imposta por “interpretações danosas ao ensino superior e ao progresso científico e cultural do país”.
Fique atento!
» Para corrigir as notas, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pede que os candidatos que se sentirem lesados entrem em contato pelo e-mail enem2019@inep.gov.br;
» No canal de comunicação, segundo o Inep, os interessados devem informar nome completo e CPF;
» Os estudantes ainda podem recorrer por meio de telefone, pelo número: 0800-616161;
» O instituto promete revisar as provas e divulgar um novo resultado até amanhã.
Erro de grafia
Depois de o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escrever no Twitter erroneamente a palavra “imprecionante”, o Inep também cometeu uma gafe nas redes sociais. Ao anunciar que mais de 2,5 milhões de pessoas visualizaram as notas do Enem, o instituto escreveu “vizualiação” em vez de “visualização”.