Brasil

Saídas para o rombo no Fies

Secretário de Ensino Superior do MEC confirma que mais de 700 mil estudantes estão devendo ao financiamento e que o governo busca solucionar a inadimplência


Cerca de 725 mil jovens estão inadimplentes com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Em entrevista ao CB.Poder, uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense, o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Arnaldo Lima, afirmou que a dívida já representa 50% do valor destinado à carteira, que é de R$ 110 bilhões. Mas, conforme adiantou, 1,5 milhão de estudantes já está em fase de amortização da dívida.

O MEC mudou algumas regras do Fies e do Programa de Financiamento Estudantil (P-Fies) e uma das principais é a que garante a flexibilização da renegociação. A ideia é diminuir o número de inadimplentes.

Além das novas regras, o secretário também falou sobre o Future-se, que está em consulta pública, e outros temas. A seguir, trechos da entrevista.






O que o governo tem feito para sanar o rombo do Fies? São 500 mil devedores?
Os números são ainda piores. Temos 725 mil jovens em situação de inadimplência, fruto de um crédito que teve taxas não tão boas para o estudante, um prazo e uma flexibilidade para pagamento. Agora estamos flexibilizando, fazendo uma renegociação, permitindo que esses estudantes saiam da dívida e possam prestar um concurso público, financiar sua casa própria. Para isso, vamos introduzir um método chamado “pagamento contingente à renda”, que significa: pague se puder, quando puder. Quando estiver desempregado, não paga; quando estiver empregado, a gente desconta do salário o que deve. Na prática, hoje a carteira do Fies está em R$ 110 bilhões de reais.

A dívida chega a quanto?

50% deste valor, mais ou menos, porque tem uma parte que ainda está em fase de utilização, não está na fase de amortização. Na de amortização, são 1,5 milhão de estudantes. Desses, 725 mil estão inadimplentes.

Seriam quase R$ 12 bilhões em atraso?
É um valor superelevado. Na prática, estamos dizendo que o que a gente gastou com o Fies e com sua inadimplência foi o equivalente ao que a gente gasta no ano com as universidades públicas, que têm uma qualidade melhor do que muitas das privadas. É preciso comparar esses dados para a gente ter uma alocação mais eficiente dos recursos. O que a gente quer é a redução das taxas de insucesso e, acima de tudo, aumentar as taxas de empregabilidade dos nossos alunos.

O que muda no Fies? As inscrições começam em 5 de fevereiro e deve atingir 100 mil estudantes.
Nada muda neste primeiro semestre. Os aperfeiçoamentos que fizemos, em dezembro, se aplicam, a princípio, ao segundo semestre de 2020. Fizemos algumas mudanças: a primeira delas é cobrar essa dívida de forma judicial para quem tem 360 dias de inadimplência. Criamos critérios para as pessoas não ficarem mudando de curso o tempo todo; isso culminou com aquela operação da Polícia Federal na Universidade Brasil, onde o estudante entrava em um curso e depois mudava para medicina. Agora, para mudar de curso, tem que ter uma nota igual ou maior que a menor nota daquele curso. Exigimos também agora uma nota mínima de 400 pontos na redação, a partir de 2021. O que a gente quer é que o aluno não tenha só o diploma, que ele adquira a excelência do conhecimento.

O senhor disse que já está tendo uma renegociação. O que é preciso fazer?
Estamos implantando esse sistema que vai dar mais flexibilidade para o aluno, que chamei de “pagamento contingenciado”. É uma espécie de consignado. Quando implantarmos esse sistema, cuja possibilidade é de ser no primeiro semestre desse ano, vamos começar a fazer a renegociação.

Mas essa renegociação vai ter um prazo, um parcelamento?
Parcelamentos, redução de taxa de juros, possibilidade de desconto no pagamento antecipado. Têm várias formas.

Pelos índices do IBGE, a população de 19 até 24 anos é a que mais sofre com o desemprego: chega a 27% da média nacional, que é 11,2%. Como resolver?
As taxas de desemprego para jovens são mais altas do que qualquer outra idade, em qualquer país do mundo. Nossa taxa de desemprego, nessa idade, em relação aos outros países, é mais elevada. Porém, quando se olha a taxa de desemprego por nível de instrução, é uma das menores. O Brasil é um dos que tem maior prêmio estudantil, que é o “efeito diploma”: faz com que o salário saia de R$ 1,8 mil para mais de R$ 3,8 mil. Esse prêmio é que incentiva nossos jovens a buscarem o nível superior.

Como está o Future-se?

Em consulta pública até o dia 24, e já está deixando um legado para a nossa sociedade. Estamos colocando a educação como centro do desenvolvimento econômico e social. A gente formou com um grupo de trabalho com especialistas para falar quais são as barreiras para projetos de empreendedorismo, de inovação. Absorvemos todas as críticas. A ideia é que a gente mande o Future-se no início da sessão legislativa, em 2 de fevereiro.

Uma das maiores críticas ao Future-se era a perda de autonomia dos reitores. Isso está sendo corrigido?
A gente nunca feriu a autonomia, até porque a autonomia da universidade está resguardada na Constituição. Temos que vender projetos para os investidores estrangeiros para trazer recursos adicionais. O programa é facultativo, a gente não tem a ambição de que seja unânime. Mas, com o tempo, todo mundo participará.

Como é que o senhor avalia a qualidade das universidades brasileiras? Há uma crítica do ministro (Abrahan Weintraub) de que as universidades públicas viraram palco de esquerdistas, de drogados.
O ministro é professor universitário. Somos a oitava economia do mundo, não temos uma universidade entre as 200 nos rankings internacionais e pioramos no Pisa. Da mesma forma que nos criticaram em relação ao Future-se, também tem que pegar as críticas que o ministro faz no sentido de melhorar o resultado que temos.

O governo está planejando tratar com mais carinho o professor?

A gente precisa atrair os melhores alunos para se tornarem professores, resgatar esse valor da formação docente. No caso da formação universitária, tem esse reconhecimento da sociedade, mas não tem na formação primária. Um professor titular, em final de carreira universitária, ganha cerca de R$ 20 mil,  trabalha oito horas por semana e tem um período para pesquisar. Já um de educação básica trabalha 40 horas e ganha um salário médio de mais ou menos R$ 2,5 mil. Há uma inversão de valores. Se você olha a Coreia (do Sul), não faz isso, o Japão não faz isso. Isso precisa ser reformulado.

* Estagiária sob supervisão de Fabio Grecchi