Brasil

Youtubers que invadiram presídio em Recife para pegadinha são condenados

Eles foram considerados culpados por atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública, desacato e corrupção de menores

Os três youtubers que invadiram o Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), com a intenção de gravar uma pegadinha, na manhã de 17 de abril de 2018, foram condenados a dois anos, seis meses e 10 dias de penas privativas de liberdade - revertidas em punições alternativas -, além de multa de um trigésimo do salário mínimo vigente na época (o valor equivale a R$ 31,93). A sentença foi expedida pelo juiz Luiz Carlos Figueirêdo, da Vara Criminal de Abreu e Lima.

 

Gerson Farias de Albuquerque, Mateus Kleber Santos de Oliveira e Wesllay Meireles Lopes Costa entraram na unidade fantasiados de personagens da série de TV La Casa de Papel, na qual criminosos invadem o Banco Central da Espanha visando roubar dois bilhões de euros. Eles foram considerados culpados por atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública, desacato e corrupção de menores, já que levaram um adolescente para participar da pegadinha.

 

Os réus foram condenados a seis meses de detenção (tipo de pena que não admite regime inicial fechado) por desacato, um ano de reclusão por corrução de menores, um ano de reclusão e 10 dias multa correspondente a um trigésimo do valor do salário mínimo vigente na época da infração “por atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública.” O juiz substituiu as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direito - pagamento de fiança (já efetuado) e prestação de serviços à comunidade.

 

"Nem tudo o que divulgaram foi verdade"

 

Na manhã desta segunda-feira, o youtuber Gerson gravou mensagens em sua página no Instagram tranquilizando seus seguidores. "Fui acordado com uma surpresa. Fui condenado a dois anos de prisão, seis meses de detenção e dez dias de multa. Eu fiz uma pegadinha e me prenderam. Nem tudo o que divulgaram foi verdade, inventaram, juntaram imagens de outras cenas, manipularam tudo. Mas calma, porque eu não vou ser preso. O juiz optou por reverter a prisão em prestação de serviços para a comunidade. Vou falar com meu advogado para saber o que iremos fazer, se iremos recorrer."

 

O relatório do Ministério Público de Pernambuco sobre o caso afirma que os réus “atentaram gravemente contra a segurança do serviço de utilidade pública prestado pelo estabelecimento prisional referido, praticaram ato que produziu pânico (tumulto) e desacataram os agentes penitenciários na ocasião”. Na ocasião, os youtubers chegaram a ser presos em flagrante, mas terminaram liberados após pagamento de fiança no valor de R$ 15 mil.

 

Na sentença, o juiz explica que a Constituição determina livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, mas que, “por outro lado, é de saber comezinho que não há direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, até porque motivos de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam a adoção de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas.”

 

“Inspirados na série La casa de papel, exibida no serviço de streaming da Netflix, os acusados usaram as vestes das personagens e as máscaras de Salvador Dalí para fazerem uma ‘pegadinha’ no Cotel. Segundos acusados tudo não passou de uma grande brincadeira e em nenhum momento tiverem a intenção de praticar os crimes descritos na exordial acusatória. A série conta a história de criminosos que invadem a casa da moeda espanhola para praticarem o maior roubo da história (2 bilhões de euros). O grupo faz dezenas de pessoas como reféns durante a empreitada criminosa. Essa foi a inspiração da ‘pegadinha’: a ação de criminosos”, prossegue a sentença.

 

“Intitulando-se de ‘youtubers’ (pessoas que geram conteúdo para o site www.youtube.com) os acusados disseram que queriam apenas fazer um vídeo para registrar a alegada brincadeira (e com isso ganharem dinheiro pelas visualizações). Ou seja, a intenção era fazer humor. Não se trata de avaliar o limite do humor. O humor muitas vezes de socorre de situações drásticas, absurdas e de hipérboles. Vai do gosto de que consome o humor. Por isso, não se pode dizer que a piada e boa ou ruim”, escreveu o juiz. Para fundamentar o argumento, o magistrado exemplificou que “houve quem achou engraçado quando o apresentador Sérgio Mallandro convidou o ex-integrante do grupo Polegar, Rafael Ilha, para o seu programa Festa do Mallandro e fez um figurante lhe oferecer açúcar no camarim dizendo que era cocaína. Na época, Rafael era dependente químico em tratamento com tentativas de suicídio nas crises de abstinência.”

 

Figueirêdo também ressaltou os perigos representados pela invasão ao Cotel e a atitude dos réus após o ocorrido. ‘“Com ação de adentrarem na área de segurança do Cotel, atentaram contra a segurança da unidade prisional que se sabe superlotada e com reduzido quadro de agentes penitenciários. Por sorte não aconteceu um mal maior, como rebelião ou fugas. Por mais sorte ainda os acusados não foram alvejados por tiros: ora, não é difícil imaginar que algum agente, ao visualizar um grupo de pessoas vestidas com uniformes e máscaras de criminosos adentrando em uma área de segurança de estabelecimento prisional efetuasse disparo de arma de fogo. Restou comprovado que os acusados desacataram os agentes, pois, mesmo detidos, passaram a adotar a postura de brincadeira e de risadas durante o procedimento”, explicou o magistrado.