Correio Braziliense
postado em 01/01/2020 07:00
Terminar um relacionamento ou não corresponder ao amor de alguém fez com que milhares de mulheres tivessem suas vidas ceifadas nos últimos anos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2016 e 2018 foram mais de 3,2 mil mortes no país. Além disso, estimativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indica que, no mesmo período, mais de 3 mil casos de feminicídio não foram notificados.O crime é um assassinato qualificado, incluído no Código Penal em 2015, que trouxe mais segurança jurídica para as mulheres e familiares ao tipificar com penas mais severas quem comete feminicídio. Mesmo assim, o número de mortes desse tipo aumenta a cada ano.
"O feminicídio é um tipo de crime doloso, aquele em que há intenção de matar. É o assassinato de uma mulher em razão de gênero, da condição do sexo feminino. O autor do fato, geralmente, é pessoa próxima à vítima, não necessariamente tem uma relação amorosa, mas quer demonstrar uma superioridade em relação à mulher", explica o advogado criminalista David Metzker, sócio da Metzker Advocacia.
O Anuário Brasileiro mostra que, no ano seguinte à tipificação do crime no Código Penal, houve o registro 929 feminicídios no país. Nos dois anos seguintes, em 2017 e 2018, foram 1.075 e 1.206 casos, respectivamente.
A tendência é também de crescimento em 2019, ano não incluído na análise. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, até agosto de 2019, 2.357 mulheres foram assassinadas com dolo (não necessariamente por feminicídio). No Distrito Federal, 33 mulheres foram vítimas de feminício em 2019.
Metzker explica que o assassino somente responderá pelo crime de feminicídio após o indiciamento ou denúncia por parte do Ministério Público. “Depois que iniciarem as investigações e elas apontem indícios de feminicídio, o delegado conclui se houve essa prática. Mas quem trará a certeza é o Judiciário, ao confirmar através de sentença”, assinala. O crime é punível com 12 a 30 anos de reclusão e a pena pode ser aumentada em até 50%, caso o crime seja praticado quando a mulher estiver grávida ou até três meses após o parto, na presença da família da vítima ou contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência.
Segundo Priscilla Maia Andrade, professora do departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), a questão envolve hierarquia, patriarcado e, principalmente, a desigualdade social. Ela aponta que as fragilidades da sociedade produzem pessoas cada vez mais violentas. “É uma série de fatores que incidem para que uma situação de violência aconteça, inclusive a situação de aprendizagem. Violência também acaba sendo uma maneira de se comunicar, por assim dizer. É a questão de como o patriarcado estrutura sistemas dentro da nossa sociedade, seja num contexto mais amplo, seja no contexto familiar”, analisa.
Instrumentos
Priscila explica que ter leis de proteção são grandes avanços civilizatórios, pois se reconhece o problema. Porém, segundo a professora, a legislação não adianta se não existirem instrumentos que possibilitem a concretização para sua execução. Haja visto que, desde que foi sancionada, o número só cresce. “Precisamos de mais agentes, policiais capacitados, um Judiciário sensibilizado e ações de apoio para as mulheres que sofrem algum tipo de violência”, destaca.
A especialista esclarece que é preciso mobilização nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, para permitir a essas mulheres denunciarem seus algozes, com garantia de efetiva proteção. “Muitas vezes, só a simples existência da lei não intimida os agressores e tampouco motiva as vítimas a fazerem denúncias”, enfatiza.
Assim, a autoproteção ainda é a melhor saída. O advogado Metzker reforça que as mulheres devem ter certos cuidados relacionados a abusos. Ele ainda indica a utilização do “botão do pânico”, um aplicativo para smartphones para acionar a polícia quando estiver em situação vulnerável. “Não se deve romantizar abusos sofridos. É preciso noticiar quando ocorrer violências: física, moral e psicológica”, alerta.
* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni
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