Na opinião do ministro, o juiz de garantias poderia atuar tanto em processos que estão em andamento quanto nos que ainda surgirão. Para inquéritos que já correm na Justiça, contudo, Marco Aurélio fez uma ressalva: o magistrado só deve ser autorizado a interferir em casos em que a fase de produção de provas não esteja encerrada. ;Processos com instrução encerrada, já prontos para serem sentenciados, devem sê-lo pelo juiz competente, que é o da Vara;, defendeu. ;Atos praticados são atos inteiramente válidos. Não é o fato de se ter criado um juiz de instrução que levará a afastar o titular da Vara competente para julgar o processo-crime. É o meu modo ver. Não sei se será o mesmo do colegiado.;
Já a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, fez críticas à medida. Ela frisou que, além de ser impossível ao Judiciário se adequar em um prazo de 30 dias, a construção do texto não está de acordo com o que vem sendo debatido no projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal. ;O Brasil é um país de dimensões continentais. Temos muitas comarcas com um único juiz e outra que só se chega de barco. Teremos dificuldade de aplicação da lei;, ressaltou. ;E já existia um projeto que discutia a figura, mas a nova lei trouxe mudanças, como o juiz de garantias decidir receber o processo ou absolver sumariamente o réu. Você desloca para uma fase anterior uma avaliação de mérito.;
Ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti disse que a figura do juiz em si não é um problema, mas destacou as dificuldades de aplicabilidade da medida. ;O juiz de garantias não era necessário. Nosso sistema é técnico, bem preparado, temos tribunais que funcionam, que se corrigem. Mas, em termos teóricos, de direito comparado, não existem problemas maiores de se criar um juiz de garantias;, afirmou. ;Em São Paulo e no Rio de Janeiro, existem os juízes de inquérito. Isso não foi criado com o mesmo fim, mas funciona do mesmo jeito.;
Robalinho afirmou que a Justiça comum, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Justiça Federal já tinham avisado ao Executivo sobre a falta de tempo hábil para a implantação da norma. ;Bom ou ruim, é inviável fazer em 30 dias;, completou. Ele alertou que existem outros problemas no pacote anticrime, como a cadeia de custódia, que exige o registro de cada perito ou profissional que manusear um objeto apreendido, por exemplo. ;É necessário, mas não há estrutura;, explicou.
;Estranho;
Políticos se dividiram sobre a criação da nova figura jurídica. A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet, por exemplo, afirmou, no Twitter, que a sanção do pacote, contrariando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi ;estranha;. ;Moro defendeu veto, líder do governo no Senado acordou em manter o veto, mas, ainda assim, o presidente sancionou. No mínimo, estranho;, postou. ;Juiz de garantia inviabiliza o sistema criminal brasileiro, gera atrasos intermináveis no julgamento de processos contra o crime organizado e de combate à corrupção. Em uma única palavra: retrocesso;, completou.Já o deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ) defendeu. ;Trata-se de um aprimoramento da Justiça, por fortalecer a imparcialidade e proteger os direitos dos cidadãos contra abusos, como os praticados pelo ex-juiz Moro;, postou, numa referência ao processo contra Lula sobre o triplex do Guarujá (SP).
Dois magistrados
A criação do juiz de garantias prevê que um magistrado deverá conduzir a investigação criminal, decidindo sobre a decretação de prisão, busca e quebra de sigilos. Ele também cuidará do recebimento da denúncia do Ministério Público. Já a instrução do processo e a sentença ficarão a cargo de um outro juiz.
CNJ discutirá pacote
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, decidiu criar um grupo de trabalho para analisar os efeitos da lei anticrime, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. A portaria com a criação do grupo ; que ficará responsável por elaborar um estudo sobre as consequências da nova legislação ; deve ser publicada hoje. O grupo vai concluir os estudos e apresentar a proposta de um ato normativo até 15 de janeiro. Os trabalhos serão coordenados pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.