O Ministério Público de Goiás (MP-GO) espera, ainda para este ano, sentença contra duas das 11 denúncias que apresentou à Justiça do estado de Goiás contra João de Deus por abuso sexual de vulneráveis. ;Dois processos já estão adiantados. Já foram apresentadas as alegações finais, e o próximo passo é proferir a sentença, o que deve ocorrer rápido, porque João de Deus está em prisão preventiva, para evitar obstruir as investigações e ameaçar testemunhas. A sentença deve sair ainda este ano;, diz a promotora Ariane Patrícia Gonçalves, membro da força-tarefa que cuida do caso, que inclui mais seis promotores.
Essas duas denúncias envolvem 144 mulheres, inclusive uma menina de 12 anos e outra de 14, na época do suposto abuso. Os casos relativos a 57 dessas mulheres ainda não prescreveram, portanto, as demais vítimas são incluídas nos processos como testemunhas.
Ariane explica que, devido à idade avançada do réu, o prazo para prescrição do crime cai pela metade. ;O crime de estupro leva 20 anos para prescrever, mas para pessoas acima de 70 anos, são 10. É uma espécie de clemência devido à idade avançada;, frisa. No entanto, a idade de João de Deus, que tem 77 anos, não vai interferir na duração da pena em caso de condenação. A punição prevista para estupro de vulnerável varia de oito a 15 anos. No caso das acusações de fraude, que também pesam sobre o médium, de dois a seis anos, de acordo com o Código Penal.
Embora o MP-GO tenha recebido 319 relatos de abuso sexual de vulneráveis, um total de 194 depoimentos foram formalizados, ou seja, as mulheres levaram o processo de denúncia até o fim, inclusive participando das oitivas. Desse total, 118 não prescreveram.
Nas denúncias, o MP-GO pede indenização de R$ 100 mil para cada uma das vítimas, com base em sentença semelhante já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas Ariane explica que o valor final será decidido pela juíza Rosângela Rodrigues Santos, da comarca de Abadiânia.
Além das 11 denúncias por abuso sexual de vulneráveis, outras duas por posse ilegal de armas de fogo foram apresentadas pelo MP-GO e para uma delas já houve sentença proferida há cerca de um mês. João de Deus foi condenado a quatro anos de prisão em regime aberto.
O MP-GO também abriu uma ação civil pública para que ele seja condenado a indenizar todas as mulheres que não foram incluídas nos processos, quando as sentenças forem proferidas. Ariane destaca, porém, que elas terão de prestar depoimento, apresentar testemunhas e passar por todo o processo das demais mulheres, o que pode levar muito tempo.
Rede de proteção
João de Deus também é investigado pela Polícia Civil de Goiás por fraude, lavagem de dinheiro e por suposta rede de proteção ao médium, que inclui autoridades, como delegados e policiais, que teriam ajudado o religioso a se livrar de apurações. Além disso, várias outras pessoas são suspeitas de coautoria. As investigações correm sob sigilo.
O MP-GO divulgou um balanço das denúncias que pesam contra o médium, colhidas desde dezembro do ano passado. Segundo o balanço, Brasília e São Paulo concentram o maior número de denúncias: 59 cada, seguidos de Goiânia, com 37, mas há denúncias de outros 16 estados.
Os casos denunciados envolvem de crianças a mulheres com mais de 60 anos, sendo que o maior grupo é de mulheres entre 18 e 30 anos. Os casos teriam ocorrido entre 1978 e 2018, e os abusos relatados variam de toque sem consentimento a ejaculação, masturbação, tentativa de sexo oral, tentativa de penetração, sexo oral e penetração sem consentimento.
Segundo Ariane, os depoimentos, embora não tenham formato padrão, revelam estratégias recorrentes, que teriam sido utilizadas pelo médium. As vítimas relataram, de acordo com a promotora, ameaças físicas e espirituais diretas ou veladas feitas logo depois do ato cometido.
Questionada sobre a possibilidade de haver entre os casos mulheres que não sofreram abuso, mas que denunciaram com expectativa de indenização, a promotora ressalta que a força-tarefa reúne mecanismos para fazer a diferenciação, inclusive com a ajuda de psicólogos especializados no momento dos relatos. ;Há comportamentos que são característicos de depoimentos orientados, como frases padrão, e outros característicos de autenticidade, como reações físicas do tipo palidez, boca seca, choro compulsivo e pico de emoção;, explica.
Defesa
Segundo o advogado de João de Deus, Anderson Van Gualberto de Mendonça, o médium mantém sua versão inicial sobre os fatos de que ;não praticou crime sexual contra nenhuma mulher;. De acordo com o defensor, as armas apreendidas tinham mais de 50 anos e nunca foram usadas para intimar ou ameaçar nenhum frequentador da Casa de Dom Inácio.
Ele alega que o médium não tem condições físicas de permanecer preso, devido ao seu estado de saúde, afirma que o cliente perdeu 40 quilos desde que foi detido e que não está recebendo alimentação e cuidados médicos adequados. Mendonça destaca que o cliente tem usado cadeira de rodas e toma 15 medicamentos por dia, além de ter sofrido diversas quedas.
Na nota que enviou ao Correio, Mendonça acusa o Ministério Público de ;fazer espetáculo público e utilizar a mídia para inflacionar sentimento de ódio e repulsa contra seu cliente;. Ele frisa que o médium corre risco de morte.
A Justiça negou vários habeas corpus para a soltura de João de Deus. A última negativa foi do STJ, em 2 de dezembro, do ministro Nefi Cordeiro. A defesa alegou decisão monocrática e disse que vai recorrer para que a avaliação seja feita pelo colegiado. (CD e CN)
"Há comportamentos que são característicos de depoimentos orientados,
como frases padrão, e outros característicos de autenticidade, como reações
físicas do tipo, palidez, boca seca, choro compulsivo e pico de emoção;
como frases padrão, e outros característicos de autenticidade, como reações
físicas do tipo, palidez, boca seca, choro compulsivo e pico de emoção;
Ariane Patrícia Gonçalves,
promotora do MP-GO