Jornal Correio Braziliense

Brasil

Roberto Brant

As pessoas de boa vontade, a quem ainda resta um pouco de iluminação e de generosidade, precisam de um papel mais ativo na vida de nosso país.


Sempre haverá outro dia

As sociedades modernas são muito mais desestruturadas do que costumavam ser antes do advento das novas tecnologias de informação, que colocam as pessoas em conexão umas com as outras, só para aumentar o senso de diferença e o isolamento entre elas. Dificilmente as redes conectam as pessoas em torno de aspirações e sonhos coletivos, o tecido de que são feitas as nações.

Nessas redes, a futilidade e o ódio não deixam lugar para a articulação de objetivos sociais e políticos mais amplos, ou de propósitos comuns que ajudam as sociedades a vencerem suas dificuldades pela cooperação e o senso de pertencimento a uma autêntica comunidade humana. A arena política está se tornando um espaço insalubre e feio, onde afloram sem resistências os piores instintos que habitam a alma humana.

A política e a democracia já foram processos mais verticalizados quando, entre a massa de eleitores e o poder político, havia uma rede de estruturas intermediárias que mediavam as relações, por meio de filtros que preservavam um mínimo de coerência e senso de propósito na representação política, deixando as portas semifechadas para aventuras insensatas.

No seu auge, essa democracia vertical produziu líderes e governos que salvaram o mundo no século XX e o tornaram o tempo de mais progresso e de maior justiça na longa história dos homens. Foi um sistema que elegeu líderes como Roosevelt, Churchill e De Gaulle. Mesmo entre nós, de 1930 até 1960, tivemos quase todo o tempo Getúlio Vargas e Juscelino, homens de uma estatura muito diferente. Não por acaso, foi o tempo em que o Brasil quase se tornou um país moderno e desenvolvido.

Graças a seus próprios êxitos, tornando as pessoas mais ricas, mais educadas e mais ativas, a democracia ocidental moderna transformou-se radicalmente no século XXI, com a ajuda providencial das tecnologias de informação, que inundaram as pessoas de fatos, muitas vezes desconexos, e cujo sentido geral é raramente apreendido. O mundo das fake news, da disseminação instantânea de boatos e do encolhimento da imprensa tradicional na apuração das notícias, criou uma atmosfera política em que é irrelevante ou impossível a discussão das ideias ou a formação de consensos baseados na razão.

O voto transformou-se numa arma dentro de um espaço sem regras. O resultado é uma agenda pública que desdenha as grandes questões que dizem respeito ao destino das pessoas, como o crescimento econômico, a desigualdade social, a educação e a criação de oportunidades mais justas para todos, o acesso à cultura e à beleza da arte. A agenda que domina é a que reflete os piores instintos e emoções das pessoas, como o medo, a segregação e o preconceito, o desejo de vingança e o ressentimento. No lugar de discutir o crescimento, o sistema político tem que combater o crime, aumentar as penas, multiplicar o encarceramento, criando um muro de proteção cada vez mais forte para os poucos que sempre foram mais protegidos. Mais tribunais e mais cadeias, grita a voz das ruas iluminadas, que o progresso e a felicidade virão em dobro. Para quem?

Que país sobrará de tudo isso, ainda não sabemos. Essas loucuras passarão, certamente, como tudo passa na história, mas o tempo perdido vai se acumulando e chegará uma hora em que a sociedade poderá estar fora de salvação.

As pessoas de boa vontade, a quem ainda resta um pouco de iluminação e de generosidade, precisam de um papel mais ativo na vida de nosso país. O PT governou o Brasil por 12 anos e seu legado foi um país dividido e uma economia na pior recessão de sua história. Hoje, seu líder volta às ruas para pregar a revolta e a vingança. Seu contrário, o governo, quer que a história volte para trás, de volta a tudo que conseguimos vencer sem sangue nem ódio entre irmãos, e quer impor a todos um código obscurantista na educação, na cultura e nos valores e o ódio à beleza e à inteligência.

Para não fechar os olhos com horror e ainda ter a coragem de imaginar uma nova manhã de luz, não precisamos mais do que lembrarmos de que já vencemos outras tristezas antes e vamos vencer esta também!