Os 50 pontos que G., de 17 anos, precisou receber estão espalhados por testa, supercílios e queixo de um rosto inchado e arroxeado. Os ferimentos, afirma ela, são de uma garrafada que tomou no Baile da DZ7, em Paraisópolis - e o objeto foi atirado por um policial militar que atuava na dispersão da festa na madrugada do domingo passado, quando nove pessoas morreram pisoteadas.
A confusão também a levou a ficar encurralada em um dos becos onde as pessoas morreram. Seu relato ganhou repercussão e é um dos que contradiz a versão de uso moderado da força dada pelos PMs. Agora, quer a responsabilização do agente, mas teme que o caso termine impune. "Eu quero que ele seja punido, mas acredito que não vai ser. Porque para muitos o que aconteceu foi normal."
G. diz ter perdido a conta de quantas vezes saiu de Pirituba, na zona norte da capital, para ir à festa na zona sul. Estima que o trajeto tenha sido feito mais de 20 vezes. Naquela noite, chegou por volta da meia-noite na Rua Ernest Renan, onde o baile ainda começava a encher. No caminho, passou por uma viatura, o que não serviu de prenúncio para um conflito. Não porque a relação entre os frequentadores e os agentes fosse boa; ela já tinha visto os policiais "invadirem" o baile, mas a festa voltava quando a situação se acalmava.
O evento já estava lotado perto das 4 horas do domingo, quando G. se recorda de ouvir os primeiros barulhos de bombas e disparos. Ela permaneceu na rua desde que chegou ao local e conta não ter memória de qualquer episódio envolvendo uma perseguição a uma moto, versão sustentada pelos policiais. O que se lembra é da sucessão de bombas e da correria que se seguiu. Com as duas pontas da rua fechadas, procurou qualquer alternativa que a tirasse dali e acabou em um beco. "Em momento nenhum teve gente com moto no baile. Ficou todo mundo assustado porque fecharam as duas pontas, o povo só sabia correr, em momento algum as pessoas revidaram. Eles chegaram superagressivos."
Bomba
"O beco lotou, nisso começaram a tacar bomba dentro do beco. Tinha gente desmaiando, gente pulando por cima de outras pessoas para tentar sair de lá. Muita gente. Tinha muita gente chorando, gente pedindo socorro, gente no chão. Eles tacavam tudo que eles viam na rua", contou ao jornal O Estado de S. Paulo ontem na sala da sua casa. Testemunhas apontam que as nove mortes aconteceram em dois becos paralelos e vizinhos que são travessas da Rua Ernest Renan, onde o baile acontecia.
As agressões dos policiais cessaram, segundo afirma G.. e eles pediram para que as pessoas começassem a sair com a mão na cabeça, ordem que obedeceu. Ao ver uma garota caída na rua após a agressão de um policial, ela parou para ajudar. "Ela falou que tinha perdido o tênis e tinha de pegar o tênis e agachou para procurar. Nessa hora, o policial estava com uma garrafa na mão e falei para ela que ele talvez iria jogar a garrafa na gente. Pedi para ela abaixar e ela abaixou. Eu virei para o lado para ver se ele estava ali ainda e ele tacou a garrafa. Comecei a sangrar e ele só mandou eu sair correndo", diz G., chorando. O rosto ensanguentado não a impediu de sofrer um golpe de cassetete nas costas enquanto tentava sair do local.
Foi uma mulher que a encontrou na rua quem a ajudou a chegar ao pronto-socorro mais próximo e a ligar para a mãe, contando o que tinha acontecido. A mãe disse ter ficado atordoada com a informação, já que nem sabia que a filha tinha ido a Paraisópolis. Foi correndo ao hospital, mas teve dificuldade de encontrar a filha em um primeiro momento. "Não dava para reconhecê-la, não dava para reconhecer pelo rosto. Tive certeza de que era ela pela roupa."
Ela foi liberada do hospital no fim da tarde do domingo e se recupera dos ferimentos em casa, onde passa a maior parte do tempo descansando e tenta não acompanhar as notícias. A mãe espera que o depoimento dela à polícia possa ocorrer logo para que alguma paz possa começar a ser incorporada à rotina. "Quero levá-la para longe daqui."
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que "todas as circunstâncias relacionadas à ocorrência deste fim de semana em Paraisópolis são investigadas por meio de inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo DHPP". "A autoridade policial está trabalhando para identificar e, posteriormente, ouvir a vítima e o máximo possível de testemunhas", acrescentou a pasta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.