Jornal Correio Braziliense

Brasil

Decisão vem antes da morte


;É muito importante que as famílias conversem sobre doação de órgãos. No Brasil, a morte é um tabu, portanto, em muitas famílias o assunto é evitado, mas, quando é conversado, fica bem fácil tomar a decisão, até porque é da cultura brasileira realizar a vontade de quem morreu. Isso é muito respeitado;, pondera Joseane Vasconcellos, da Central Estadual de Transplantes do DF.

A lembrança de um diálogo familiar foi o que levou a família de Shirley da Silvia Teles a fazer a doação. ;Minha mãe era muito brincalhona. Um dia, eu disse a ela que, se eu morresse, eu queria que doassem meus órgãos. Ela riu e respondeu: ;doa mesmo, minha filha, o que a gente não usa, tem que dar;. No dia que ela morreu, nós nos lembramos disso;, conta.

;A família está vivendo uma perda que pode ser repentina. O comunicado sobre a possibilidade de doação de órgão, muitas vezes, pode ser uma novidade e, em alguns casos, um lembrete. É importante que a pessoa esteja bem informada sobre o que é a morte encefálica e sobre a condição de seu parente e, mais importante, saber o desejo da pessoa que morreu sobre isso;, afirma a psicóloga Graça Maria Marino Totaro .

Na avaliação de Joseane, o tema doação de órgãos não é polêmico. Para ela, a dificuldade em aumentar as doações está mais relacionada à aceitação da morte. ;De um modo geral, os brasileiros lidam mal com a morte. Países que lidam melhor com isso têm mais facilidade para desenvolver a doação. A partir do momento em que a família aceita a morte, não tem tanto problema. Algumas famílias querem que o parente seja enterrado como nasceu, com todos os órgãos. A gente sempre explica que, depois da retirada, o corpo é todo recomposto e ninguém consegue dizer que aquele paciente é um doador;, explica.

Para Graça Maria, a ideia de que a pessoa que morreu possa ter sua imagem alterada pode ser um impeditivo para doação, portanto, tem que ser bem explicado. ;A questão da cultura religiosa, a fé ou o que norteia família com relação ao corpo e ao espírito ou alma também é importante. Há crenças, por exemplo, que colocam que o corpo deve estar inteiro para adentrar em outro reino, ou algo assim. Isso é importante e pode interferir na decisão;, diz.

Ela alerta também sobre os cuidados que devem ser adotados na abordagem das famílias. ;O importante é não fazer a abordagem com o pressuposto de que a família faça a doação. É preciso considerar o tempo da família e não ter o desejo de que a família doe. Isso é muito perigoso e pode impossibilitar a doação, pois o desejo não é da família, mas de quem está abordando. Mas isso é incomum. No geral, as pessoas que são treinadas e não mobilizadas pelo seu desejo, mas com a escuta;, diz. ;A doação deve ser sempre voluntária. A pessoa deve ser abordada e não convencida;, completa Joseane.

Tráfego


Um dos mitos que podem frear a doação de órgãos é a desconfiança sobre o possível comércio e tráfego de órgãos que, para médicos e especialistas, é um mito desenvolvido pela sociedade por falta de informação e conhecimento do sistema de transplantes e doação de órgãos. ;Não existe tráfego de órgão no país. Temos um sistema muito fechado. O transplante envolve cirurgias que não são simples. Depende de toda uma estrutura para cuidar do corpo do doador, fazer a extração do órgão em centro cirúrgico. Todo o processo envolve toda uma complexa logística. Para definir para quem vai o órgão, temos um sistema informatizado que o Brasil inteiro utiliza. É muito bem estruturado. Não tem como fazer isso fora do sistema e manter sob sigilo;, esclarece Daniela Ferreira Salomão, da coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde. (CD)


  • Os maiores doadores
    Com investimento em treinamentro das equipes, Paraná e Santa Catarina têm as maiores taxas de doação

    Estado Doação por PMP* Famílias que disseram não (%)
    AC 4,6 73
    AL 5,2 44
    AP 0,0 100
    AM 2,6 72
    BA 11,0 54
    CE 26,9 38
    DF 17,5 28
    ES 11,1 54
    GO 11,2 68
    MT 1,2 67
    MS 18,4 58
    MG 13,8 38
    PA 2,7 60
    PB 3,7 56
    PR 41,4 26
    PE 20,1 37
    PI 1,6 88
    RJ 17,2 31
    RN 19,9 57
    RS 21,4 41
    RO 15,9 30
    RR 2,3 60
    SC 44,5 26
    SP 23,7 37
    SE 7,0 63
    TO 0,9 67

    Fonte: Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) *Pessoas por milhão