Receptora de um novo coração há dois anos e meio, a economista Patrícia Fonseca, de 32 anos, teve sua vida radicalmente mudada depois de receber o órgão. A notícia sobre o novo coração chegou exatamente no dia do seu aniversário de 30 anos, em uma das inúmeras internações no Instituto do Coração, em São Paulo.
Patricia tornou-se uma ativista em campanhas pela doação de órgãos e, nessa jornada, conheceu Tatiane Ingrid Penhalosa, 32 anos. Diagnosticada com miocardiopatia hipertrófica, uma doença congênita que aumenta a espessura do coração, Tatiane fazia hemodiálise para manter os rins e aguardava um novo coração. Não houve tempo, porém, em abril, Tatiane morreu antes de o coração chegar.
Inconformada com a morte da amiga, de quem havia se tornado inspiradora, Patrícia publicou um post nas redes sociais que viralizou e atingiu 15 milhões de pessoas, segundo conta. Na postagem, ela informou que 5.491 famílias haviam dito não durante os dois anos em que Tatiane havia esperado pelo transplante.
Lei Tatiane
Patrícia não parou no post. Ela escreveu um projeto de lei que institui o Programa de Ensino e Conscientização sobre Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos no currículo escolar, que batizou de ;Lei Tatiane;. O projeto
(PL 2839/2019), apresentado em julho na Câmara dos Deputados pelo deputado Ricardo Izar
(PP-SP), aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família. ;Já falei com o presidente Rodrigo Maia e a ideia e colocá-lo em pauta ainda este ano;, disse o deputado, que também trabalha em um estatuto para homogenizar procedimentos em toda a cadeia de transplantes no país, junto com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), onde conheceu Patrícia.
O tema gera tanto interesse que, atualmente, há 23 PLs tramitando na Câmara e três, no Senado, que tratam de aspectos relacionados a transplante de órgãos. Um deles é de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS). O PL 453/17 determina que a família não pode interferir na retirada de órgãos, caso a pessoa tenha manifestado em vida a vontade de ser doadora. Aprovado na comissão de Constituição e Justiça do Senado em junho, o PL seguiu para a Câmara.
Em outro projeto, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) sugere tornar lei que empresas com 100 ou mais empregados sejam obrigadas a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência ou transplantadas. O projeto tem o apoio do presidente da Associação Brasileira de Transplantados (ABTx), Edson Arakaki, que é transplantado de rim. Ele afirma que há muito preconceito no mercado de trabalho. Segundo ele, dos 2.539 transplantados cadastrados na associação, 1.775 não trabalham.
À espera de um rim
A lista para receber a doação de um rim é a maior. Até setembro, 23.630 pessoas aguardavam pelo órgão no Brasil, 382 no Distrito Federal. Uma delas é Cícero Rodrigues, morador de Águas Lindas. Diagnosticado com insuficiência renal há seis anos, ele entrou na lista em 2016, mas teve que sair para tratar de uma infecção e voltou há três meses. ;Os médicos acreditam que eu tenha desenvolvido insuficiência renal porque era hipertenso e não tratava;, conta. ;Atualmente, meu número é 80. Eu tenho percebido que tem andado mais rápido, mas não é uma sequência linear, depende de compatibilidade e do estado da pessoa. Os mais graves têm prioridade. Quando a fila anda rápido, nem sempre é porque tem órgãos chegando. Às vezes é porque pessoas morreram na fila;, lamenta. Cícero disse que seu irmão se ofereceu para doar um rim, mas não houve compatibilidade. De acordo com a legislação, a doação em vida, de um dos rins ou parte do fígado, pode ocorrer entre pessoas até o quarto grau de parentesco ou casais com a relação registrada. No caso de amigos, a doação requer autorização judicial.