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No Rio, 30 áreas já têm letalidade policial maior que em 2018

Trinta das 137 Circunscrições Integradas de Segurança (Cisp) já somaram de janeiro a agosto de 2019 mais vítimas de letalidade policial do que em todo 2018, quando o patamar estadual anual foi o maior da série histórica. Em 14 dessas áreas, a alta da letalidade foi acompanhada por alta nos homicídios, enquanto em outras 14 houve redução nos homicídios; em outras duas, houve estabilidade. O exemplo demonstra a falta de correlação entre a alta na letalidade e a redução em indicadores como homicídio. A reportagem encontrou com maior frequência uma correlação positiva, ou seja, quanto mais letalidade policial ao longo da série histórica, maior a quantidade de mortes dolosas nas áreas. Foi na Cisp 36, relativa à área do bairro de Santa Cruz, na zona oeste da capital fluminense, que houve a maior redução absoluta na quantidade de homicídios registrados: de janeiro a agosto de 2018 foram 66 assassinatos e no mesmo período de 2019, 21. Na mesma área, também houve redução da letalidade policial, de 20 para 2 casos, e de roubos, com 463 registros a menos. A área de Rio das Ostras, no litoral norte, foi onde os flagrantes de tráfico de drogas mais aumentaram desde o ano passado, o que é um índice de produtividade policial. As prisões por tráfico subiram de 98 para 171. Para isso, não foram necessárias ações mais violentas da polícia - no período, a letalidade dos agentes teve redução de um caso no mesmo período. Os homicídios caíram em 20 casos e os roubos, em 250 casos. Quanto aos roubos, a queda absoluta mais intensa notada em todo o Estado aconteceu em Itaboraí, na região metropolitana. A cidade viu os assaltos caírem em mais de mil casos desde 2018. Lá, a letalidade policial também caiu em três casos e os homicídios dolosos, em dez. Índices negativos Na outra ponta, a área onde os roubos mais cresceram foi em Realengo, na zona oeste da capital: passaram de 2.868 para 3.755 registros. O bairro também viu aumentar a violência policial: os 7 casos de 2018 se transformaram em 28 neste ano. Metade dos casos de letalidade policial está concentrada em 14 Cisps. Lidera a lista, com 89 mortos em operações policiais, a área de Belford Roxo, na região metropolitana. Lá, a relação entre a alta na letalidade policial e a queda dos homicídios se confirma: para cada vítima a menos de homicídio (4 no total), a polícia matou cinco pessoas a mais (23 no total). A maior alta na letalidade policial até agora aconteceu na área de Bangu, na zona oeste da capital. Lá, os policiais, que haviam matado 20 pessoas de janeiro a agosto de 2018, mataram 74 no mesmo período de 2019. A relação entre alta letalidade e queda nos homicídios é verdadeira, mas num ritmo desproporcional: para cada vítima a menos de homicídio (9 no total), a polícia matou seis a mais (54 no total). Correlação inversa Para o economista Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a correlação entre letalidade e demais indicadores existe, mas é inversa. "Há uma correlação positiva, ou seja, onde há maior letalidade também há mais crimes violentos letais intencionais (CVLI, categoria que engloba homicídios, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios). Não há evidência internacional que aponte que mais mortes pela polícia levem a menos crimes", diz Cerqueira, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O pesquisador Emmanuel Nunes de Oliveira Júnior, do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), pesquisou a relação entre a letalidade policial e a variação nos índices criminais nas cidades paulistas na sua tese de doutorado e encontrou resultados semelhantes à análise de Cerqueira. "Não há relação nenhuma entre a letalidade e a redução de indicadores." "Cada um interpreta como quer, e o (governador Wilson) Witzel atribui a queda dos homicídios à política de extermínio que aplica, mesmo que a queda aconteça desde o ano passado e em muitos Estados do Brasil", afirma Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj. Investigação e inteligência Ex-chefe de Estado Maior da Polícia Militar do Rio, o coronel reformado Robson Rodrigues, que desenvolve pesquisas no Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), afirma que problemas complexos como o do Rio pedem políticas igualmente complexas. Rodrigues diz ser precipitado relacionar a alta na letalidade com a queda nos indicadores em 2019. "Se a política de abate no Rio tivesse dado certo, seríamos a região mais pacífica do mundo." Para ele, "a PM tem de ser posta para trabalhar na prevenção, cobrindo a mancha criminal de acordo com a sua vocação originária: patrulhamento ostensivo". "As operações tem de ser feitas com mais investigação, reduzindo essas ações e buscando qualificá-las melhor." O economista Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, vai na mesma linha. Ele afirma que a redução de homicídios aconteceria de forma mais eficaz se houvesse mudança na forma como é feito o policiamento: menos brutalidade e mais investigação e inteligência. "Poderíamos identificar os homicidas, as regiões onde eles atuam, quem são os fornecedores de armas e também a questão da lavagem de dinheiro", defende Cerqueira, que também é conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "A política que temos hoje é baseada no achismo. Estamos apenas apagando incêndio. Não existe gestão ou inteligência." Outro ponto citado por Cerqueira é o trabalho das polícias junto às comunidades. "Hoje a polícia afasta a comunidade. Isso não dá certo. A polícia precisa trabalhar junto com a comunidade para que essa redução de homicídios aconteça de fato." E, por fim, o coordenador do Atlas da Violência fala em "prevenção social". "Prevenção social são as políticas públicas para melhorar a condição de vida das comunidades. Melhorar a educação e as escolas, bem como a oferta de empregos." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.