Em meio a um debate crescente no Brasil de oposição entre conservação da natureza e produção rural, um biólogo espanhol com ampla experiência na Argentina em unir os dois lados está movimentando ambientalistas, empresários, gente do agronegócio e governantes em torno de um novo conceito: "Produção de natureza".
Este é o tema e título de um livro que está sendo lançado esta semana no Brasil pelo biólogo Ignacio Jiménez Pérez, cujo conteúdo está influenciando dois projetos no País, na porção de Mata Atlântica entre o norte de Santa Catarina e o sul de São Paulo, e no Pantanal.
A obra, lançada online pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), ONG do Paraná, reúne a experiência da Argentina, na região dos Estuários de Iberá, mas também dos safáris na África do Sul, dos parques nacionais dos Estados Unidos, entre outros.
Como o sr. define esse conceito de "produção de natureza"?
É dar uma volta na visão tradicional do século 20 de que a natureza bem conservada é vista como área só para conservação. Essa ideia do ambiente como algo não produtivo é um erro conceitual, particularmente em um mundo em que a demanda global por natureza cada vez mais aumenta. Em qualquer país, há áreas naturais grandes, de qualidade. Elas são como fazendas que, em vez de produzir gado, soja, produzem ecossistemas naturais. E o produto que criam é fundamentalmente um espetáculo. Porque tem uma série de clientes no mundo esperando para visitar essas áreas.
Em teoria, os parques nacionais são para isso. O que falta?
O conceito de "parque de papel" tem muita força no Brasil. Em algum momento da história, não se teve sucesso em mostrar os parques como áreas produtivas. Talvez porque ambientalistas acharam que era melhor ter parques fechados - porque o turismo poderia ser uma ameaça -, talvez porque os governos decidiram não investir em pessoal, porque era mais barato deixá-los sozinhos, e se converteram em "parques de papel". Só chamar de parque não o converte em área produtiva. E um parque só é produtivo quando está bem cuidado: a fauna está preservada, não há impactos dentro que destruam o produto. Isso é o mesmo que ocorre com um museu, uma catedral.
Quais exemplos de produção de natureza o sr. indicaria como modelo para o Brasil?
É importante entender que há exemplos de parques com esse sucesso tanto em países ricos quanto em países pobres. Existe esse mito de que os países ricos destruíram sua natureza e por isso ficaram ricos…
Esse tem sido um argumento do presidente Bolsonaro ao reclamar de críticas da Europa ao desmatamento da Amazônia...
Isso é demagogia nacionalista que já ouvi tanto da esquerda quanto da direita. Não coincide com a realidade. Particularmente, Alemanha e Japão conseguiram seu desenvolvimento industrial, ao final do século 19, a partir de uma política de conservação de bosques.
O governo defende ideias como transformar a região de Angra dos Reis em uma nova Cancún. O que o senhor acha disso?
Essa história de Cancún dentro de uma área protegida… vista de fora seria o equivalente ao governo da França dizer que precisa melhorar a economia e, para isso, vai criar um shopping dentro da Catedral de Notre Dame. Há um lugar na sociedade para cada coisa.
Já existem no Brasil iniciativas para melhorar o turismo em parques. O que é necessário para ganharem escala e relevância?
O Brasil tem muitos casos de sucesso, como Cristalino (parque estadual em Mato Grosso), Fazenda Caiman (em Mato Grosso do Sul). São Paulo tem parques estaduais de qualidade, que podem competir com Costa Rica. Mas essa política de dizer que tudo é ruim e olhar o copo meio vazio impede de transmitir à sociedade esperança e orgulho. Creio que a chave nesses processos é mostrar áreas grandes… E por quê? Porque têm de ser competitivas na escala mundial. É preciso se projetar para o mundo, não só para atrair pessoas de fora, mas para que os locais sintam que sua área é importante.
Como equacionar isso na Amazônia, em que distâncias são impeditivo até para chegar a parques?
Há um truque em grandes áreas protegidas no mundo. Por exemplo, em Yellowstone, nos Estados Unidos, que recebe 4 milhões de visitantes por ano - quase tanto quanto o Brasil -, a área de visitação e de impacto é tipicamente de apenas 1% a 2% da área total. A estratégia no Brasil, creio, poderia ser criar alguns blocos na Amazônia. Mas ao promover o local, a narrativa tem de ser de que o turismo nessa pequena área ajuda a proteger todo o resto que está ameaçado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.