Em uma tentativa de reverter a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu a censura a livros com temática LGBT na Bienal, a Prefeitura do Rio de Janeiro ingressou, na Corte, com embargos no processo aberto para avaliar o caso. O órgão pede explicações sobre a decisão que impede o recolhimento de livros que o prefeito Marcelo Crivella acusou de violarem o Estatuto da Criança do Adolescente (ECA). A venda do livro ;Vingadores: a cruzada das crianças;, que contém a cena de um beijo gay, entre dois homens, gerou a polêmica.
O recurso apresentado pela prefeitura, e assinado pelo procurador-geral do estado, Marcelo Silva Moreira Marques, não tem prazo para ser julgado. No recurso, a prefeitura alega que o STF não avaliou o fundamento apresentado pela instituição sobre ;a defesa de crianças e adolescentes, com base no ECA. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, pode rejeitar ou aceitar o recurso. Se o embargo for acolhido, pode ser levado a plenário, caso contrário, será arquivado.
No sábado, a prefeitura chegou a enviar fiscais para analisar a existência de obras com teor sexual ou impróprio para menores de idade nos estandes do evento. No entanto, além de nada do tipo ser encontrado, houve reação do Judiciário, de artistas e de organizações. Toffoli cassou uma liminar concedida pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), Cláudio Tavares, que autorizava o recolhimento das obras. Para Toffoli, a decisão viola o princípio da igualdade e propaga o preconceito.
;No caso, a decisão, cuja suspensão se pretende, ao estabelecer que o conteúdo homoafetivo em publicações infantojuvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade, uma vez que somente àquela específica forma de relação impôs a necessidade de advertência, em disposição que ; sob pretensa proteção da criança e do adolescente ; se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito;, escreveu o magistrado. Também o ministro Gilmar Mendes determinou que a prefeitura se abstece de recolher os livros. Para ele, houve discriminação e indicativo de que as relações homossexuais são ;avessas ao campo da ficção;, o que não representa a realidade.
A oposição ao governo Crivella na Assembleia Municipal do Rio avalia pedir abertura de processo de impeachment contra o prefeito por conta da tentativa de censura, e pela prática de homofobia. O youtuber Felipe Neto comprou 14 mil obras com a temática LGBT e distribuiu gratuitamente no evento. Ao todo, a Bienal registrou a venda de 4 milhões de livros e foi visitada por 600 mil pessoas nos 10 dias de evento.
Fake News
Nas redes sociais, imagens do livro ;As gêmeas marotas;, publicado em Portugal, em 2012, chegaram a ser reproduzidas como se fossem na Bienal do Livro do Rio. No entanto, a obra não fez parte do acervo e sequer é vendida no Brasil. Nas fotos, é possível ver um dos livros em uma vitrine, sendo vendido em euros, não em reais;o que mostra que a imagem foi capturada no exterior.
A organização da Bienal e alguns veículos de imprensa chegaram a acusar a prefeitura de anexar imagens de ;As gêmeas marotas; no pedido feito ao Supremo para liberar a classificação dos livros. No entanto, na peça protocolada na Corte, apenas o livro dos Vingadores é citado. Sobre este fato, a Prefeitura do Rio afirmou que ;lamenta que, na ânsia de atacar a atual gestão, parte da imprensa seja usada como ferramenta política; e diz que ;não cometeu ato de discriminação;.