O sistema privado de monitoramento que o governo pretende usar para fiscalizar desmate na Amazônia já é usado como um "teste gratuito" dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O sistema, conforme apurou o Estado, é o mesmo que começa a rodar no Estado do Mato Grosso e já foi testado no Pará.
O Planet, um sistema de mapeamento em alta resolução que pertence a uma companhia dos Estados Unidos, é fornecido localmente pela empresa brasileira Santiago & Cintra, do interior de São Paulo. Essa empresa, que é responsável por processar as imagens e interpretá-las, já realizou diversas reuniões com representantes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente neste ano.
O monitoramento do desmate motivou uma crise no governo após o presidente Jair Bolsonaro e integrantes de sua equipe questionarem os dados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em maio, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. mostrou que a Amazônia perdia 19 km² de floresta por hora. A partir daí, a divulgação sucessiva dos dados levou Bolsonaro a dizer que o Inpe divulgava dados mentirosos. A crise resultou na exoneração do presidente do instituto, Ricardo Galvão, que rejeitou qualquer tipo de manipulação. A demissão do chefe do órgão federal também foi alvo de críticas de cientistas.
Desde o início do ano, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem dito que pretende usar um sistema privado. Em julho, ele usou imagens da tecnologia privada para contrapor captações feitas pelo Deter - sistema de alertas de desmate do Inpe - e exibir o que seriam imprecisões nas medições.
Questionado sobre o uso da tecnologia privada, o Ibama não comentou. Salles também foi questionado sobre os termos do acordo que permitiu fazer o uso prévio da tecnologia privada, mas não deu detalhes.
Este mês, o Ibama nomeou, em portaria, uma "equipe de planejamento de contratação" para escolher o sistema que será comprado, estimado em cerca de R$ 7 milhões. A ideia seria fazer licitação pública para escolher o produto. Mas especialistas em captação e processamento de imagens ouvidos pela reportagem afirmaram que, da forma como foi descrito o sistema, o único fornecedor brasileiro capacitado é a Santiago & Cintra.
A reportagem procurou a empresa para comentar, mas não obteve resposta. O responsável pelo "planejamento da contratação" do Ibama, Olivaldi Borges Azevedo, disse não ter tempo para tratar do assunto.
Mato Grosso
O governo do Mato Grosso decidiu que deixará o mapeamento do Inpe e adotará o Planet. A informação é do governador, Mauro Mendes (DEM). "Vamos usar a melhor tecnologia. Não vou usar duas tecnologias, não faz sentido", disse. "Já começamos a usar o sistema imediatamente. Agora, é essa tecnologia que vai apoiar nossas ações de fiscalização."
Procurado pela reportagem, o Inpe não se pronunciou. O Estado, porém, não deixará de ser coberto e monitorado pelas tecnologias governamentais.
"Os sistemas do Inpe não têm a mesma precisão e rapidez. Em menos de 24 horas, saberemos exatamente o que está acontecendo em qualquer terreno do Estado", disse Mendes. O contrato de R$ 5,9 milhões, que trata da prestação do acesso à tecnologia e seus serviços por um ano, não foi bancado pelo Mato Grosso, mas sim pelo banco de desenvolvimento alemão KFW, o mesmo que faz as doações por meio do Fundo Amazônia, do governo federal.
A compra e a escolha do sistema Planet, segundo o governo do Mato Grosso, foi feita diretamente por outro fundo financiado com recursos alemães, o Global REDD for Early Movers (REM). Criado em 2012, essa iniciativa é bancada de forma conjunta pelos governos da Alemanha e do Reino Unido.
Pelas regras, Mato Grosso recebe valores se mantiver o desmatamento abaixo da linha de 1.788 km² por ano. O gestor financeiro e operacional do programa é o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), associação civil sem fins lucrativos. "Não houve licitação, porque não houve dinheiro público nisso. Para o Estado, é custo zero", afirmou Mendes.
O Planet já foi usado como teste pelo Pará. Em 2016, segundo o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), o uso da tecnologia foi feito por doação da própria empresa. Depois, em 2017, um acordo anual foi firmado, com apoio do Fundo Amazônia. "Chegamos (ao governo) e tomamos a decisão de não comprar", disse Barbalho à reportagem. "Os sistemas que temos hoje já nos são suficientes para monitorar o desmatamento."
Recado
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse que a chanceler alemã, Angela Merkel, deveria "pegar a grana" bloqueada para preservação ambiental no Brasil e reflorestar a Alemanha. Berlim congelou R$ 155 milhões a projetos na área por dúvidas sobre a política ambiental do Brasil. "Lá está precisando muito mais que aqui", disse Bolsonaro. (Colaborou Julia Lindner)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.