Os desafios para alcançar uma sociedade majoritariamente adepta a uma alimentação saudável no Brasil são vários. Um deles, destacados por diversos especialistas do setor presentes no Correio Debate, é a regulação da publicidade de alimentos. A propaganda, muitas vezes, incentiva o consumo de alimentos ultraprocessados de diversas maneiras e atinge, inclusive, crianças. A escassa fiscalização de publicidades proibidas por lei e as poucas denúncias fazem com que o problema seja ainda maior. Esse foi um dos temas discutidos no painel Políticas públicas no enfrentamento da obesidade.
A líder do programa de alimentação saudável do Instituto de Defesa de Direito do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto, afirmou que, apesar de o Brasil ter uma lei nacional e federal desde 1990, que protege o consumidor de uma maneira geral, as regras não são obedecidas. ;A lei não é cumprida por vários motivos e desafios. Um deles é a falta de demanda da sociedade. Não há denúncia sobre propaganda enganosa e abusiva, logo, isso não aparece como problema para os órgãos;, avalia.
Para impulsionar a maior fiscalização das propagandas, principalmente as destinadas ao público infantil, o Idec criou o Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA) em abril. Ana Paula explica que o site tem o objetivo de dar mais voz e amplificar essas denúncias. ;O OPA é um mecanismo criado para facilitar essas denúncias. Qualquer consumidor pode entrar no site e denunciar por meio de fotos ou vídeos;, explica. Desde a criação do site, em abril, cerca de 200 denúncias foram feitas. A intenção do Idec é direcionar as queixas ao Procon, ao Ministério Público e à Defensoria Pública.
Outra adversidade que a regulação das propagandas alimentares sofrem é a sobrecarga dos órgãos reguladores. ;Sabemos que esses órgãos estão sobrecarregados, têm equipes pequenas e não conseguem textura para enfrentar, por exemplo, grandes irregularidades de publicidade infantil, como a venda brindes junto com alimentos, prática que é ilegal, mas ainda é muito recorrente;, ressalta.
A líder do programa de alimentação saudável do Idec acredita que a regulação da publicidade de alimentos pode ainda melhorar com novas legislações. ;Um exemplo são as leis que proíbem esse tipo de propaganda nas escolas. Alguns estados e municípios já avançaram na proteção dos colégios nesse quesito, mas não há uma lei nacional;, indica.
Vulnerabilidade
No mesmo painel, a promotora de Justiça e presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPcon), Sandra Lengruber, afirmou que os índices da defesa do consumidor não trazem reclamação sobre alimentação ou obesidade, e a intervenção do Ministério Público, basicamente, só ocorre acontece a partir do interesse individual ou coletivo.
;Existe uma disparidade, uma vulnerabilidade do consumidor por várias causas, por falta de conhecimento da técnica e não saber escolher o que vai adquirir. A escolha dele é em segundo plano, feita a partir de uma primeira escolha do fornecedor. O mercado de consumo decide o que é bom para o consumidor. Quando fala de alimentação e obesidade, nitidamente tem um ambiente de vulnerabilidade, com necessidade de intervenção do Estado para tratar disso;.
Lengruber ressalta que o usuário está tão vulnerável quanto há 30 anos, época da criação do Código do Consumidor. ;O motivo que ensejou o Código e o tratamento da matéria da Defesa do Consumidor é a vulnerabilidade, a desigualdade na relação do consumo. Isso existia há 30 anos em situações cabíveis naquela oportunidade, e hoje, mais de 30 anos depois, existem de outras formas, como os youtubers infantis, como a questão da proteção de dados. Com isso, tem a questão da informação na alimentação também. O consumidor não tem conhecimento quase nenhum do que consome, e isso impacta na escolha diante da oferta da publicidade no mercado. A demanda social ainda é muito pequena em torno desse tema;, diz.
A chefe da MPcon citou a resolução 67, de novembro de 2018. ;Temos mantido reuniões com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para aprofundar e concretizar a votação dessa resolução, que é excelente em termo de políticas públicas do MP e fala da necessidade de dar prioridade para ações de prevenção e combate a obesidade infantil e promoção da alimentação saudável;. Segundo a diretriz do Conselho Nacional, a recomendação é de que a publicidade abusiva direcionada a crianças e adolescentes deve ser evitada, inclusive, mas não exclusivamente, em ambientes escolares. Lengruber defende, ainda, a mudança nos rótulos dos alimentos e a adoção de modelos frontais com inclusão de selos de advertência. ;É fundamental a mudança dos rótulos. Eles não são suficientes, quase nada eficientes para informar o consumidor de forma clara;, conclui.