A frota de veículos no Brasil cresce vertiginosamente, mas a infraestrutura não acompanha o crescimento do número de automóveis nas ruas. Além dos problemas sociais e de mobilidade que a sobrecarga do sistema viário causa, há inúmeros impactos ambientais, que envolvem a emissão de poluentes e gases de efeito estufa, o alto consumo de recursos não renováveis, a poluição do solo e a produção de resíduos sólidos.
De maio de 2009 a maio de 2019, a frota veicular aumentou 81,7% no Brasil. Em 2009, eram 56,32 milhões de veículos, segundo o Ministério da Infraestrutura. Atualmente, são 102,35 milhões. Em junho de 2016, os automóveis correspondiam a 54,20% do total de veículos do Brasil, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A frota era composta ainda de motocicletas (22,16%), caminhonetes (7,52%) caminhonetas (3,41%), caminhões (2,72%) e ônibus (0,62%), entre outros.
Segundo David Duarte Lima, professor da UnB, doutor em segurança de trânsito e membro do Instituto Brasileiro para Segurança de Trânsito, a demanda por deslocamentos dobra a cada dois anos no Brasil. ;O fato é que há um crescimento contínuo na demanda por mobilidade e há muita deficiência de meios coletivos de transporte. Com isso, as pessoas buscam a solução individual ; o carro, a moto ;, que, entretanto, produz o caos social e ambiental;, explica.
De acordo com Lima, a deficiência de soluções coletivas de transporte é decorrente de décadas de negligência e de falta de planejamento do Estado. ;Como o Estado não tem proposta nem ação, a consequência é a procura por soluções individuais, que geram mais poluição, mais uso de combustíveis fósseis, mais ocupação do espaço e mais custo para as famílias;, observa.
Moradora de Planaltina, a estudante Fernanda Gonçalves, 20 anos, passa mais de três horas por dia no trânsito. Ela utiliza o ônibus como principal meio de locomoção para chegar ao trabalho e à faculdade, localizados no centro de Brasília. Fernanda diz que chega atrasada ao trabalho uma vez por semana, em média, por causa de engarrafamentos no trânsito. ;É preciso parar com medidas paliativas e pensar, realmente, em uma reforma. É repensar a cidade como um todo, e o trânsito também;, afirma.
O tempo perdido nos deslocamentos prejudica a qualidade de vida, nota Fernanda. ;A gente passa esse tempo todo no trânsito, muitas vezes em pé, porque os ônibus estão sempre cheios. Meu rendimento no dia a dia é muito afetado por isso.;
Além de males sociais, o excesso de carros nas ruas provoca impactos ambientais expressivos. Um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) aponta que o modo rodoviário é predominante no transporte de passageiros e, em 2016, respondia por 90% das emissões de CO2. O transporte individual foi responsável por 77% dessas emissões.
De acordo com o relatório, o ritmo acelerado de crescimento do consumo de energia e de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no transporte de passageiros pode ser explicado por dois fatores principais: o uso cada vez mais intensivo do transporte individual e a redução da participação relativa do etanol na grade de combustíveis.
O especialista em planejamento de mobilidade urbana e gestão ambiental Renato Boareto afirma que os desafios são muitos, mas nota que, em muitos casos, os problemas sociais e ambientais da mobilidade urbana encontram as mesmas soluções. ;Reduzir congestionamentos, por exemplo, implicaria melhoras ambientais e sociais. E não se combate congestionamento aumentando vias, isso é o mesmo que combater obesidade com um cinto maior.;
Para Boareto, investir em transporte público deveria ser prioridade dos governos. ;O transporte público é o único que pode ser universalizado. Além disso, é uma opção que ocupa menos espaço, reduz o consumo energético, diminui a emissão de poluentes e gases de efeito estufa, e ainda é pensado como estratégia de redução de vítimas de trânsito;, observa. ;Não se pode desconsiderar a quantidade enorme de mortos e feridos em acidentes.;
Os impactos ambientais do transporte viário ainda se dão por vazamento de graxas e óleos; produção de resíduos sólidos, como pneus e carcaças de carros, contaminação do solo (principalmente em decorrência de postos de gasolina desativados); piora na qualidade do ar; utilização de combustíveis fósseis e vários outros danos.
O estudo do Iema aponta que a reversão desse cenário de impactos ambientais impõe o desafio de avançar na adoção de um conjunto de medidas que, ao mesmo tempo em que reduzam as emissões de poluentes, também ampliem a acessibilidade das pessoas. A solução, segundo o relatório, está na melhoria tecnológica dos veículos e na coletivização dos transportes.
Renato Boareto acrescenta uma outra preocupação. ;Hoje a tendência é a eletrificação do automóvel e dos ônibus. Mas devemos pensar também na fonte dessa energia, que não pode ser suja;, diz. O desafio, observa, é olhar o sistema de transporte de forma universal. ;As demandas da população, as relações ambientais e o custo econômico precisam caminhar juntos. É necessário que exista um princípio de planejamento urbano que promova acessibilidade, conectividade e sustentabilidade.; (BR e LC)