O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânica e de Material Elétrico de Pernambuco pede ação cautelar para cancelar a assinatura do contato com o consórcio liderado pelo grupo alemão ThyssenKrupp Marine Systems, a Embraer e a Atech. De acordo com o TCU, o processo é sigiloso e está em fase de instrução.
O ofício protocolado pelo Sindicato no tribunal, ao qual o Correio teve acesso, alega que o resultado do processo de seleção fere princípios de idoneidade, moralidade, economicidade, eficiência, transparência e impessoalidade do Request for Proposal ; RFP n; 40005/2017-001 ;, que definiu os parâmetros e condições das propostas, e a Lei das Estatais (13.303/2016). O Sindicato acusa a concorrência de ter sido direcionada. ;O RFP apresentou uma série de requisitos de habilitação jurídica, com destaque para a impossibilidade de contratar empresa inidônea, em linha com a jurisprudência deste Tribunal (fl. 122 do RFP);, alega a entidade dos trabalhadores no documento.
Com relação à idoneidade e moralidade, o sindicato afirma que os negócios da ThyssenKrupp estão sendo investigados na Alemanha e em Israel e os da Embraer, em processos na República Dominicana, na Índia e nos Estados Unidos. Além disso, o estaleiro Oceania, localizado em Itajaí (SC), onde serão construídos os navios, pertence ao grupo CBO, doqual 20% das ações pertencem à BNDES-Par, subsidiária do BNDES e responsável por classificar o conteúdo nacional da proposta ; requisito do edital ; o que configuraria conflito de interesses, segundo a representação.
Sobre economicidade e eficiência, o documento alega que a ThyssenKrupp está à venda, portanto, se desfez de estaleiros próprios em vários países, o que acarretaria insegurança jurídica, e entraria em choque com as condições do RFP, segundo o qual teria prioridade a proposta que oferecesse menor risco. Além disso, a proposta vencedora cobrará royalties para a construção de navios adicionais.
No que se refere à transparência e à impessoalidade, o ofício alega que a oferta de preço apresentada pelo Consórcio Águas Azuis é referencial e não está fechado, o que ;afronta totalmente o instrumento convocatório e a isonomia, ao passo em que dá margem a superfaturamentos e aditivos contratuais;. O documento também reclama de falta de transparência na divulgação da composição dos pontos efetuados pela proposta.
O diretor de Gestão de Programas Estratégicos da Marinha, vice-almirante Petronio Augusto Siqueira Aguiar, disse ao site DAN (Defesa Aérea Nacional), em 12 de junho, que o preço final depende de detalhes contratuais e que haverá necessidade de pagamento de royalties ao grupo vencedor.
Empregos
O diretor do Sindicato, Henrique Gomes, alega que, se o processo fosse executado com transparência, obedecendo as condições do edital, o consórcio FLP, que inclui o estaleiro Vard-Promar, poderia construir as corvetas. Ele afirma que há dois estaleiros em Pernambuco que já empregaram, juntos, mais de sete mil funcionários especializados. Atualmente, com a crise econômica e do setor naval, esse número caiu muito e apenas o Vard-Promar emprega 200. Ele não precisou quantos trabalham no outro estaleiro.
;O programa resgata a indústria naval e isso é bom para todos, mas é uma questão legal. Não podemos aceitar um processo manipulado. O navio tem 120 metros e o estaleiro de Itajaí tem apenas 80 metros. Como pode a Marinha aceitar como melhor oferta um preço de referência que não está fechado? Como pode aceitar uma oferta que inclui pagamento de royalties para a transferência de tecnologia, que costuma ser de 3% do valor do produto, na atual situação das contas do governo?;, questiona.
Segundo Gomes, a Marinha fez questão de ser dona do sistema embarcado, com a compra da transferência de tecnologia e segredos militares, como o código fonte do sistema. Entretanto, nunca será a dona do projeto nem terá a liberdade de utilizá-lo em outros navios, já que terá que pagar royalties. Ele diz ainda que o RFP oferecia duas opções: usar o projeto da Marinha ou o da contratada, desde que o navio já tivesse sido construído.
Marinha: preços sigilosos
Por meio de nota, a assessoria da Marinha informa que ainda não recebeu questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), mas está pronta a antecipar os esclarecimentos necessários. Sobre a transparência e economicidade do processo, a Marinha informou que os preços propostos e a pontuação feita pelos consórcios concorrentes não foram divulgados porque ;informações dessa natureza não são divulgadas publicamente em processos relativos às atividades de Defesa;.
Em relação ao pagamento de royalties para a transferência e tecnologia, a Marinha afirma que, ;o modelo de negócio estabelecido privilegiou a concorrência entre as proponentes, mantendo a obrigação de contar, mediante efetivo pagamento, com a transferência de conhecimento e de tecnologia para a Marinha e para as empresas brasileiras envolvidas;, que ;a obtenção de conhecimento permitirá o adequado e econômico emprego dos recursos públicos, ainda mais quando vinculados à liberdade com a preservação da soberania nacional;.
Seleção
Não houve explicações, porém, com relação ao quesito idoneidade das empresas vencedoras, reclamado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco. ;A Marinha do Brasil esclarece que todo o processo de seleção observou as boas práticas de procura e aquisição de bens e serviços praticadas em escala mundial para escolha e posterior contratação de produtos militares, notadamente aqueles de alta complexidade. Os procedimentos e critérios adotados foram essencialmente técnicos, sem qualquer interferência política;, segue a nota.
A assessoria do BNDES afirma, também por meio de nota, ;que participou do processo por solicitação da Marinha do Brasil, tendo em vista o interesse da Marinha em implementar um método de apuração de conteúdo local e a experiência do Banco no assunto;. Segundo a nota, a atuação do banco se restringiu à transmissão de conhecimento para a Marinha e à verificação dos índices das propostas classificadas. ;Cumpre ressaltar que o índice de conteúdo local consistiu em um dos critérios de avaliação e a matriz de decisão, com todos os parâmetros, não foi fornecida ao BNDES;, destaca.
O comunicado do BNDES não comenta a alegada participação acionária de 20% da BNDESPar no grupo naval CBO, dono do estaleiro Oceania, conforme consta do ofício encaminhado ao TCU pelo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pernambuco, e questionada pelo Correio.
"Soluções de última hora"
A assessoria do Consórcio Águas Azuis rebate as críticas e afirma que desconhece as informações sobre irregularidades na licitação das corvetas, portanto, não comentaria ;rumores de mercado;. A nota do consórcio declara que ;soluções rápidas de última hora revelaram-se negativas no passado;, e informa que ;a ThyssenKrupp Marine Systems e a German Naval Yards Kiel firmaram acordo para a licitação do projeto de aquisição de navios de combate MKS 180 da Marinha alemã e, se a German Naval Yards Kiel vencer, a ThyssenKrupp Marine Systems será subcontratada.
Sobre Israel, a nota diz que ;após publicação de artigos na imprensa, a ThyssenKrupp suspendeu o relacionamento comercial com seu representante de vendas local e imediatamente iniciou uma investigação interna; e que a empresa coopera com as investigações. ;Até onde sabemos, nem a ThyssenKrupp nem os funcionários são parte da investigação em Israel;.
Em relação ao fechamento de estaleiros, devido ao processo de venda da ThyssenKrupp, o grupo afirma que, atualmente, a empresa possui um estaleiro para submarinos em Kiel (Alemanha);. A nota também informa que o Consórcio apresentou à Marinha proposta baseada no conceito da classe Meko, de um tipo utilizado pela marinhas de 14 países, em um total de 82 unidades, 37 produzidas fora da Alemanha e em plena operação.
;O Estaleiro Oceania atuará como construtor contratado e receptor de tecnologia, possui instalações altamente capazes para a construção das corvetas e aplica os mais inovadores processos de engenharia e construção, com alto nível de automação e tecnologia de ponta;, segue a nota.
A assessoria da Embraer informa que a empresa foi alvo de investigações pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pelo Ministério Público (MP) brasileiro entre 2011 e 2016, não havendo condenação, e que um acordo assinado entre a empresa, o MP e do Departamento de Justiça americano permitiu que a Embraer continuasse a assinar contratos nos Estados Unidos.
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Número de países que utilizam embarcações da mesma categoria contratada pelo Brasil